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Ex.mo. Sr. Dr. Desembargador Federal Relator da Apela��o Criminal n�. 1999.51.01.046981-8 da 1� Turma do Egr�gio Tribunal Regional Federal da 2�. Regi�o.

 

 

Francisco Lafaiete de P�dua Lopes, nos autos da apela��o criminal em ep�grafe, por seus advogados que subscrevem a presente, em aten��o ao r. despacho de fls., vem mui respeitosamente a Vossa Excel�ncia e no prazo a que alude o art.600 do C�digo de Processo Penal, apresentar as anexas RAZ�ES DE APELA��O, aduzindo, para tanto, o quanto segue.

�������� Pede Juntada.

 

�������� Rio de Janeiro, 09 de janeiro de 2006.

 

Jo�o Mestieri, adv. 13.645

 

Marcos Ribeiro, adv.117.273

 

 

RAZ�ES DE APELA��O

 

 

 

APELANTE: Francisco Lafaiete de P�dua Lopes

APELADO: Minist�rio P�blico Federal

 

 

EGR�GIA TURMA

 

Preliminarmente:

 

Nulidade Absoluta. Da Incompet�ncia Superveniente

 

� nula e de nenhum efeito a respeit�vel senten�a de primeiro grau.

Com efeito, a nobre julgadora entendeu de preestabelecer a sua compet�ncia � vista de poss�vel e futura arg�i��o das defesas, de modo especial a do prof. Francisco Lafaiete de P�dua Lopes, de incompet�ncia superveniente do MM. Ju�zo de primeiro grau para processar e julgar o feito em causa.

 

Assim, afirma a senten�a que Francisco Lopes n�o chegou a ser empossado no cargo de Presidente do Banco Central do Brasil, ainda que sabatinado pelo Congresso Nacional e no exerc�cio pleno de suas fun��es na presid�ncia no momento dos fatos inquinados de il�citos e t�picos. � que diz a senten�a � �o foro especial, de natureza excepcional, se justifica sobretudo pela emin�ncia do cargo ocupado, e n�o apenas pela natureza das fun��es desempenhadas�.

 

Uma tal afirma��o, em socorro de sua compet�ncia, entra em flagrante contradi��o, desde logo, com outra afirma��o da mesma eminente prolatora da decis�o guerreada, agora para exasperar espetacularmente a quantidade da pena; a fixa��o da pena corporal em dez anos, para um r�u prim�rio, de conduta ilibada e invej�vel capacidade intelectual encontraria raz�o na "qualidade de Presidente do Banco Central � �poca, tem especial responsabilidade pelo ocorrido, em decorr�ncia do total dom�nio final do fato (...)".(...) "Em sendo assim, atendendo � personalidade, motivos e circunst�ncias do crime, fixo a penabase acima do m�nimo legal, em 10 anos de reclus�o e cento e vinte dias multa, que fixo no valor unit�rio de cinco sal�rios m�nimos (...)� (senten�a, p�g. 550).

 

A base constitucional e legal para se questionar a compet�ncia do MM. Ju�zo processante de primeiro grau � a Lei no 11.036, de 22.12.2004, equiparando os ocupantes e exocupantes do cargo de Presidente do Banco Central do Brasil a Ministros de Estado, reconhecendo ao Supremo Tribunal Federal a compet�ncia origin�ria para o julgamento de processos criminais que envolvam atos administrativos praticados no exerc�cio da fun��o, nos termos do art. 102, 1, c, da Constitui��o Federal.

 

���������� Mesmo antes do momento processual de sentenciar, encontravase em vigor a Lei no 11.036/04. Suscitada a quest�o da compet�ncia do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar o feito, a MM. Ju�za de primeira inst�ncia invocou a inconstitucionalidade da referida Lei no 11.036/04. Nada obstante, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade da lei em quest�o no julgamento final das A��es Diretas de Inconstitucionalidade nos 3.289 e 3.290, em 5 de maio de 2005.

 

Inconformado com a resist�ncia da eminente julgadora em atender ao que preceitua a novel legisla��o, e para se inteirar, absolutamente, de todos os aspectos da quest�o, solicitou o recorrente parecer da lavra do eminente jurista Prof. Dr. Luiz Roberto Barroso (doc. incl.).

 

A compet�ncia do STF, na hip�tese, est� associada ao ato praticado pelo r�u, n�o sendo afetada pela circunst�ncia de o agente p�blico haver deixado de exercer a fun��o ou o cargo p�blicos relevantes. Seja: ainda que o agente deixe a fun��o ou o cargo, o STF continuar� competente para processa-lo e julg�lo.

 

Em 3 de abril de 1964, o Supremo Tribunal Federal decidiu aprovar a s�mula n� 394, que refletia pac�fico entendimento do direito brasileiro:

 

�Cometido o crime durante o exerc�cio funcional, prevalece a compet�ncia especial por prerrogativa de fun��o, ainda que o inqu�rito ou a a��o penal sejam iniciados ap�s a cessa��o daquele exerc�cio�.

 

Revogada a s�mula n. 394, sobrev�m o regime da Lei no. 10.628/02, depois seguida pela Lei no. 11.036/04. Quanto a esta �ltima, em 22 de dezembro de 2004, o Congresso Nacional converteu medida provis�ria, que tratava de tema correlato, na Lei n� 11. 036/04. A nova lei criou duas regras principais: (i) atribuiu status de Ministro de Estado ao Presidente do Banco Central, aplicando a ele o que disp�e o art. 102, 1, c da Constitui��o, no que diz respeito � prerrogativa de foro; e (ii) reproduziu a regra geral da Lei n� 10.628/02, dispondo especificamente sobre a manuten��o da compet�ncia especial por prerrogativa de foro para julgar atos administrativos "praticados por exocupantes do cargo de Presidente do Banco Central do Brasil no exerc�cio da fun��o p�blica". A primeira regra consta do caput do art. 2� da lei e a segunda, do seu par�grafo �nico, que acompanha o mesmo artigo:

 

�Art. 2�. O cargo de Natureza Especial de Presidente do Banco Central do Brasil fica transformado em cargo de Ministro de Estado.

Par�grafo �nico. A compet�ncia especial por prerrogativa de fun��o estende‑se tamb�m aos atos administrativos praticados pelos ex‑ocupantes do cargo de Presidente do Banco Central do Brasil no exerc�cio da fun��o p�blica�.

 

O ilustre professor doutor Luiz Roberto Barroso assim conclui o seu estudo sobre a mat�ria, respeitando precisamente a quest�o versada nestes autos:

A.������������������������� O Supremo Tribunal Federal � o int�rprete final e qualificado da Constitui��o. Por�m, em um Estado democr�tico de direito como o brasileiro, todos os Poderes interpretam a Constitui��o. Havendo mais de um sentido poss�vel e razo�vel para um enunciado constitucional, pode o legislador, legitimamente, escolher um deles.

 

B.������������������������� Nessa linha, a Lei n� 11.036/04 � constitucional, como expressamente reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADIns 3.289 e 3.290. Afigurase fora de d�vida a aplica��o desse diploma normativo � situa��o do consulente, inclusive e notadamente o par�grafo �nico do art. 2�.

 

C.������������������������� A convic��o enunciada acima decorre dos seguintes fundamentos: (i) o dispositivo indigitado prev�, expressamente, sua incid�ncia em rela��o aos "exocupantes" do cargo de Presidente do BACEN; (ii) o consulente era n�o apenas ocupante do cargo � tendo praticado atos exclusivamente atribu�dos � Presid�ncia da autarquia como, ademais, j� havia sido indicado formalmente pelo Presidente da Rep�blica, com a aprova��o do Senado Federal; e (iii) a senten�a condenat�ria. levou em conta, exatamente, essa posi��o funcional do consulente.

 

D.������������������������ Como conseq��ncia, a senten�a de 1� grau � nula, por vicio de incompet�ncia absoluta, devendo ter sua invalidade declarada em sede de apela��o. Ademais, tendo ocorrido invas�o da compet�ncia do Supremo Tribunal Federal, bem como inobserv�ncia da autoridade de decis�o sua, � cab�vel contra ela o rem�dio jur�dico da reclama��o, nos termos do art. 102, 1, 1 da Constitui��o da Rep�blica.

 

Da Nulidade Absoluta por Aus�ncia de Motiva��o

 

MOTIVA��O

 

�������� A ilustre prolatora da senten�a de primeiro grau, ao individualizar as penas que entendeu aplic�veis ao recorrente, incorre em erro fundamental, j� pela insufici�ncia da mesma motiva��o, j� pela qualidade dela.

 

�������� Admite a senten�a, no segmento dedicado � dosimetria penal, em flagrante contradi��o com que dissera sobre a quest�o da compet�ncia para processar e julgar o presente feito, que o apelante, �na qualidade de Presidente do Banco Central do Brasil � �poca, tem especial responsabilidade pelo ocorrido, em decorr�ncia do total dom�nio do fato� (fls. 550).

 

�������� Admite ainda cuidar-se �de homem de not�vel capacidade intelectual, cujos ensinamentos t�m, segundo a prova dos autos, muito influenciado o pensamento econ�mico brasileiro nas �ltimas d�cadas�, sendo �r�u prim�rio e n�o ostenta antecedentes� (fls. 549).

 

�������� Diante de um quadro extremamente positivo, invej�vel e raramente encontrado em r�us que se avizinham do cadafalso da senten�a penal, e querendo aplicar-lhe pena exemplar, como induvidosamente se infere do silogismo que levou a ilustre magistrada � fant�stica e absurda pena de 10 anos de reclus�o e pagamento de 120 dias multa de cinco sal�rios m�nimos, lan�a m�o de duas estrat�gias: (i) refere fatos que, se crime houvesse, seriam simples elementos do tipo e n�o circunst�ncias superlativas a permitir a exaspera��o dram�tica da pena do r�u prim�rio e de t�o excelentes antecedentes, como, e.g., repetir a �ilicitude� da opera��o com os bancos envolvidos; quanto a um porque o BC exorbitara, quanto ao outro, o FonteCindam, porque n�o havia risco mas ainda assim a opera��o teria ganhado curso gra�as �s �rela��es prom�scuas entre a autarquia e ex-funcion�rio ocupante de alto cargo no banco� e ainda porque o apelante teria �especial responsabilidade pelo ocorrido, em decorr�ncia do total dom�nio do fato� (fls. 550) e (ii) simplesmente aplica a pena sem base em qualquer fato concreto comprovado nos autos, como a pena de multa.

 

No que respeita o primeiro item, para al�m de serem fatos, como se disse, compondo a tipicidade pretendida e n�o adjetivando-a, a prova dos autos aponta exatamente no sentido contrario. A �prova� das rela��es prom�scuas do prof. Francisco Lopes com o referido �ex-funcion�rio ocupante de alto cargo no banco� ou com qualquer outra pessoa � nenhuma; ali�s a alega��o segue o mesmo diapas�o da famosa, calamitosa e desavergonhada imputa��o de �corrup��o�, divulgada pela propaganda irrespons�vel de seman�rios do Rio de Janeiro. Tudo se fez para transformar a fantasiosa hip�tese em fato: os diretores corruptos do Banco Central do Brasil teriam socorrido os bancos com dinheiro p�blico e, com isso, recebido polpudas recompensas. Chegou-se � em espetacular del�rio irrespons�vel � a afirmar a exist�ncia de US$1,600,000.00 em nome do prof. Francisco Lopes em um para�so fiscal! O �furo� chegou a ser mat�ria de capa de um desses seman�rios, at� que se demonstrou que a quest�o era, realmente, um furo, ou seja, mais um furo n��gua na s�rdida campanha de difama��o do prof. Francisco Lopes.

 

Usar-se de elementos compondo a tipicidade b�sica dos delitos para justificar a exaspera��o da pena � o mesmo que elevar-se a pena por homic�dio consumado de r�u prim�rio e de excelentes antecedentes por seu comportamento criminoso e ... pela conseq��ncia de a vitima haver sucumbido.

 

Quanto � quest�o de o agente �ter o total dom�nio do fato�, isto n�o permite reconhecer-se qualquer �especial responsabilidade pelo ocorrido� (fls. 550), pois esta � uma caracter�stica da autoria: autor � aquele que tem o dom�nio do fato.

 

Bem decidiu o STJ, por sua 5a. Turma, relator o min. Felix Fischer, em 18.04.2000, no HC n. 11.270, que:

 

 

 

�A discricionariedade permitida na fixa��o da pena privativa de liberdade, mormente nas duas etapas iniciais (art. 68 do CP), deve ser exercida de forma ponderada, guardando sempre a devida e hipot�tica proporcionalidade com outras circunst�ncias. A resposta penal, que deve procurar ser convincente e concretamente motivada, � de ser anulada quando manifestamente desproporcional�.

 

���� E ainda:

 

SENTEN�A - Fixa��o da pena - Crit�rios - Art. 59 e 68 do CP.Se ao Juiz � dada a faculdade de majorar ou diminuir a pena de acordo com as circunst�ncias de cada caso, deve faz�-lo devidamente fundamentado, com obedi�ncia dos preceitos dos arts.59 e 68 do CP.Recurso provido para anular a senten�a condenat�ria que n�o atentou aos princ�pios legais na fixa��o da pena.(STJ - RHC 3.681-8 - SP � 5�TURMA - Rel.Min. Cid Flaquer Scartezzini - DJU 01.08.94) (RJ 204/121)

 

RHC - Pena - Individualiza��o - (C.P., art. 59) - A individualiza��o da pena � exig�ncia do C�digo Penal, com assento na Constitui��o da Rep�blica.

Cumpre ao magistrado ponderar o requisito m�nimo do art. 59 do C�d. Penal. Em seguida, a pena-base, considerar� circunst�ncias agravantes e atenuantes. Por fim, causa de aumento ou diminui��o.

A senten�a ser� fundamentada, exigindo-se, como tal, explicita��o dos fatos, de modo a que se conhe�a como foram ponderados. (RHC 895-MG. 6a. T - Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 01.04.91, p. 3.427).

 

 

� que qualquer defici�ncia da motiva��o e todo erro de princ�pio, que influem sobre as indaga��es processuais, - observou R. Gioffredi si confonde com la mancanza e l�antigiuridicit� di motivazione. E Alfredo De Marsico, por seu turno, ensina queper marcanza di motivazione non deve intendersi la totale omissione di un ragionamento ma l�omissione, l�errore e l�illegalit� anche di una sola fra le parti di cui deve constare il ragionamento reclamato dalla natura e dall�ambito del dispositivo (apud GIOVANNI LEONE, Trattato di Diritto Processuale Penale, 1961, Vol.II, p�g.373, nota n�10 bis).

 

� sabido de todos que �a Constitui��o exige que o juiz ou tribunal fundamente as suas decis�es, dando as raz�es do seu convencimento (CF, part,93, IX)� (STF � HC 73.719-6, rel. min. Carlos Veloso � DJU 23.8.96). A fundamenta��o dos atos decis�rios qualifica-se, desse modo, �como pressuposto constitucional de validade e efic�cia das decis�es emanadas do Poder Judici�rio� (STF � 1� Turma � HC � Relator min. Celso de Mello � RTJ 164/971).

 

Na esp�cie, como se viu linhas acima, a magistrada sentenciante, n�o obstante reconhecer, de forma expressa, a primariedade e os excelentes antecedentes do recorrente, fixou-lhe a penabase em patamar cinco vezes superior ao m�nimo previsto, valendo-se de express�es padronizadas, n�o se encontrando, com todas as v�nias, no texto da decis�o recorrida, qualquer justificativa apta para a absurda majora��o da reprimenda penal.

 

Com efeito, se por um lado doutrina e jurisprud�ncia imp�em que condena��es acima do m�nimo legal sejam objeto de impositiva fundamenta��o, adotadas as regras do artigo 59 do C�digo Penal, por outro � induvidoso que em casos de a��o penal com v�rios acusados, a senten�a tem que examinar, de forma isolada, a situa��o de cada um, e n�o, como fez a ilustre prolatora do decisum impugnado, tecer breves e vagas considera��es abrangentes de todos, indistintamente, porque as raz�es se repetem por copia e colagem do texto.

 

Tal situa��o adquire especial relev�ncia quando se cuida do processo penal, no qual se confrontam o direito de punir do Estado e o direito do cidad�o � liberdade. No ponto, na obra "Nulidades no Processo Penal", de autoria dos renomados mestres Ada Pellegrini Grinover Ant�nio Scarance Fernandes e Antonio Magalh�es Gomes Filho, destaca-se a import�ncia da fundamenta��o das decis�es judiciais, especialmente no que concerne � individualiza��o da pena:

 

"A individualiza��o da pena opera em dois planos: o legal e o judicial. Representa, em qualquer deles, a aceita��o do princ�pio da isonomia, na justi�a distributiva, segundo o qual devem os homens ser tratados desigualmente na justa medida de suas desigualdades, ou seja, segundo uma igualdade proporcional.

 

Cabe ao legislador, no plano abstrato, estabelecer margens m�nimas e m�ximas de penas aos diversos crimes e permitir agravamentos ou atenua��es quando acompanhados, na sua concretiza��o, de determinadas circunst�ncias. Ao juiz incumbe, no caso concreto, buscar a reprimenda adequada, dentro dos limites previamente estabelecidos para cada crime e em face das agravantes e atenuantes gen�ricas ou especiais existentes.

 

A Constitui��o dirige-se ao legislador e ao juiz. Ao legislador diz expressamente que dever� realizar a �individualiza��o da pena� (art. 5�, XLVI) e ao juiz imp�e a necessidade de motivar todas as suas decis�es, inclu�das a� as decis�es sobre a pena (art. 93, IX).�

(Obra citada, Malheiros Editores, 3� Ed., p�gs. 168/169).

 

 

Ainda a respeito da individualiza��o da pena, � voz corrente na doutrina que

 

 

"(...) no processo de individualiza��o da pena, qualquer que seja a sua esp�cie (privativa de liberdade, restritiva de direitos ou pecuni�ria), n�o basta que se fa�a, na senten�a, expressa refer�ncia aos par�metros apontados no art. 59 da PG/84. Cada referencial deve exprimir um conte�do f�tico extra�do do processo para que n�o signifique uma palavra oca, vazia de sentido e alcance.

 

 

"Culpabilidade", "antecedentes", "conduta social", "personalidade", "motivos, circunst�ncias e conseq��ncias do crime", "comportamento da v�tima", situa��o econ�mica do agente", nada dizem, se n�o se demonstrar, atrav�s de fatos concretos, a conduta culp�vel, se n�o se mencionar explicitamente o perfil da vida precedente ao crime, se n�o se descreverem os diferentes pap�is representados a n�vel de comunidade social, se n�o se delinear, ainda que em r�pidas pinceladas, a personalidade do agente, se n�o se esclarecerem os motivos que o impulsionaram � a��o criminosa, se n�o se relatarem, com clareza, as circunst�ncias que cercaram o crime, se n�o se referir nitidamente, �s conseq��ncias resultantes, se n�o se narrar uma atitude determinada da v�tima, se n�o se aludir a uma situa��o patrimonial definida para efeito de fixar a condi��o econ�mica do agente. Repetir as palavras do texto, de forma monoc�rdia, ou globalmente, n�o significa individualizar a pena."

(�C�digo Penal e sua Interpreta��o Jurisprudencial", Editora RT, 1996, p�g. 667 � destacamos).

 

O entendimento jurisprudencial � no mesmo sentido, n�o admitindo os nossos tribunais que o julgador se limite a repetir as palavras da lei. � necess�rio e fundamental que na senten�a, ao ser imposta pena acima do m�nimo legal, sejam indicados dados concretos e inequ�vocos que levaram o seu prolator a exacerbar a pena.

 

Precisamente neste sentido, o Egr�gio Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n� 68.751, do qual foi Relator o eminente Ministro Sep�lveda Pertence, assim decidiu:

 

 

"N�o responde � exig�ncia de fundamenta��o de individualiza��o da pena-base e da determina��o do regime inicial de execu��o de pena a simples men��o aos crit�rios enumerados em abstrato pelo art. 59, CP, quando a senten�a n�o permite identificar os dados objetivos e subjetivos a que eles se adequariam, no fato concreto, em desfavor do condenado".

(in DJU de 1. 11. 91, p�g. 15.569 � destacamos).

 

De igual forma, julgando o HC n� 69.1412, do qual foi Relator o eminente Ministro Celso de Mello, a Egr�gia Corte Suprema tamb�m entendeu:

 

"Traduz situa��o de injusto constrangimento o comportamento do magistrado ou Tribunal que, ao fixar a pena‑base do sentenciado, adstringe‑se a meras refer�ncias gen�ricas pertinentes �s circunst�ncias abstratamente elencadas no art. 59 do C�digo Penal. O Ju�zo sentenciante, ao estipular a pena‑base e impor a condena��o final, deve referir-se, de modo espec�fico, aos elementos concretizadores das circunst�ncias judiciais fixadas naquele preceito normativo".

(DJU de 28.8.92 ‑ p�g. 13.453).

 

De igual forma, ao julgar o HC n� 70.4832, do qual foi Relator o n�o menos eminente Ministro Celso de Mello, restou claro que

 

"A motiva��o dos atos decis�rios do Poder Judici�rio constitui pressuposto de validade, de efic�cia e legitimidade dos pronunciamentos jurisdicionais. Decis�es imotivadas s�o decis�es nulas".

(DJU de 29.4.94 ‑ p�g. 9.716).

Finalmente, o saudoso Ministro Aliomar Baleeiro, quando integrava a Suprema Corte, em julgamento de habeas corpus do qual foi Relator, teve a oportunidade de consignar:

 

"A jurisprud�ncia do STF acolhe a tese de que a condena��o de prim�rio � pena superior ao m�nimo, sem maus antecedentes nem circunst�ncias graves, deve ser expressamente motivada na senten�a, porque o discricionarismo na fixa��o da pena‑base n�o se confunde com o arb�trio do juiz, segundo sua aprecia��o subjetiva pura e simples".

(RTJ, 66/79).

 

Percebe-se, pois, que o posicionamento da doutrina e o entendimento da jurisprud�ncia proveniente do Egr�gio Supremo Tribunal Federal trazidos � cola��o, deixam evidente que decis�o sem fundamento ou com fundamenta��o deficiente � sin�nimo de decis�o nula. N�o bastava � senten�a de primeiro grau, para atingir o estratosf�rico patamar de dez anos de reclus�o referir, simplesmente, que o apelante teve �especial responsabilidade� por �ter o dom�nio final do fato� e ainda a simples aplica��o das express�es gen�ricas: �as circunst�ncias e conseq��ncias do crime s�o-lhe tamb�m desfavor�veis� e, finalmente, �atendendo � personalidade, motivos e circunst�ncias do crime�(fls. 550).

 

No que pertine o item (ii) da pena de multa, esta � fixada ao mais absoluto arrepio da prova dos autos; imp�e-se pena de cento e vinte dias multa no valor unit�rio de cinco sal�rios m�nimos �por se tratar de r�u com excelente situa��o financeira� (fls. 550). Qual a base para a assertiva? Sua qualifica��o de fls. 1010 de modo algum autoriza tam solu��o. Temos pois, decis�o de multa falta de fundamento.

 

A car�ncia de fundamenta��o da senten�a condenat�ria, no que concerne � aplica��o da penabase, como se viu, � v�cio que contamina mortalmente a decis�o, impondo-se, destarte, o reconhecimento da nulidade da senten�a condenat�ria, com seus respectivos consect�rios.

 

M�RITO

 

� Guisa de Intr�ito

 

Este � um processo de grande complexidade, envolvendo conceitos t�cnicos intrincados referentes a mecanismos de atua��o de bancos centrais, mercado de c�mbio � vista, mercado de c�mbio futuro, posi��es de hedge, risco sist�mico, etc. Resumidamente, trata a quest�o dos autos de tr�s opera��es distintas realizadas pelo Banco Central do Brasil com diferentes institui��es financeiras (Banco Marka, Banco FonteCindam e Fundos Marka-Nikko) na vig�ncia de dois regimes cambiais sucessivos, o regime da banda cambial end�gena e o regime de livre flutua��o, num intervalo de apenas uma semana (entre 14 e 19 de janeiro de 1999). Portanto, s�o muitas dimens�es a serem consideradas numa complexa teia de motiva��es e argumentos e n�o � de se estranhar a dificuldade para se estabelecer um contradit�rio n�tido que permita julgar o feito com precis�o e justi�a.

 

Eis a raz�o pela qual, a defesa h� de perquirir todos os componentes f�ticos e de direito do caso, do que resultar� claro que a senten�a condenat�ria dever� ser reformada.O que o apelante questiona � a vers�o acolhida pelo MM. Ju�zo a quo, que n�o encontra respaldo nas provas dos autos e menos ainda na l�gica.

 

A senten�a atacada busca fundamentar uma condena��o por peculato. Na opera��o com o Banco Marka, reconhece a legitimidade da atua��o do Banco Central a partir da no��o de risco sist�mico, mas a considera il�cita por n�o ter a autarquia se preocupado adequadamente com o ressarcimento dos valores empregados. Nas outras duas opera��es com o Banco FonteCindam e com os fundos Marka-Nikko, conclui que n�o havia a necessidade de atua��o do Banco Central devido � inaplicabilidade da tese de risco sist�mico e que, conseq�entemente, fora violado o princ�pio da isonomia ou da impessoalidade.

 

Assim, a presente apela��o tem por objetivo demonstrar de forma incontest�vel a absoluta legalidade das opera��es levadas a cabo pelo Banco Central do Brasil com a an�lise, caso a caso, das institui��es financeiras. Assim veja-se:

 

a) No caso do Banco Marka, demonstra-se que a tese de que a autarquia n�o se preocupou adequadamente com o ressarcimento dos valores empregados n�o se sustenta pois, na realidade, a partir do momento em que se reconhece a legitimidade da atua��o do Banco Central baseada na no��o de risco sist�mico, inevitavelmente se conclui que a Autoridade n�o poderia ter tomado qualquer curso de a��o diferente do que tomou.

 

b) No caso do Banco FonteCindam a defesa mostra que, ainda que n�o se aplicasse a tese de risco sist�mico, havia a motiva��o igualmente importante (e at� mesmo mais fundamental) de preservar as reservas internacionais do Banco Central, quando o �nico curso alternativo de a��o dispon�vel para a Autoridade (dentro da l�gica do regime de banda cambial) era vender d�lares � vista ao inv�s de d�lares futuros, nos dois casos a pre�o praticamente igual. A natureza priorit�ria e fundamental do objetivo de preserva��o das reservas internacionais no regime de banda cambial � revelada quando se demonstra que o risco sist�mico era relevante no caso do Banco Marka principalmente porque a partir dele se caracterizava a possibilidade de um ataque de grandes propor��es � posi��o de reservas internacionais do Banco Central.

 

A defesa mostra ainda que no caso do Banco FonteCindam, de forma an�loga ao caso do Banco Marka, afigura-se a indispensabilidade do socorro, calcada no objetivo de preservar as reservas internacionais na fase de implanta��o do novo regime da banda cambial. Mostra tamb�m que nesse caso, como em todos os demais, a atua��o da Autoridade foi norteada pelo crit�rio de atua��o caso-a-caso definido pelo voto BCB 006/99, reconhecendo que era necess�rio privilegiar os dados da estabilidade, confian�a e prud�ncia, tomando-se em conta o cen�rio especial � �nico - da situa��o emergencial em que operava o Banco Central.

 

c) No caso dos fundos Marka-Nikko, a defesa mostra que, ainda que n�o se aplicasse a tese do risco sist�mico, havia a motiva��o igualmente importante (e de mesmo delet�rio efeito se o BC n�o agisse) de minimizar a intensidade da desvaloriza��o cambial na fase inicial de opera��o do regime de livre flutua��o. O Banco Central realizou uma opera��o de venda de d�lares futuros, estritamente dentro de sua esfera de compet�ncia e a pre�o superior �s cota��es tanto do mercado � vista como dos mercados futuros da BM&F e da Chicago Mercantile Exchange.Tamb�m neste caso a atua��o da Autoridade seguiu o mesmo esp�rito do voto BCB 006/99, reconhecendo que os requisitos de prud�ncia e estabilidade de mercado eram cruciais na situa��o ainda emergencial em que operava o Banco Central.

 

�������� Postas essas quest�es introdut�rias, � conveniente que se alinhe as bases ou princ�pios pelos quais se far� a defesa da posi��o do Banco Central do Brasil e assim de seu presidente e diretores subscritores do voto 006/99.

 

 

Princ�pios Norteadores na A��o do Banco Central do Brasil

 

PRINC�PIO 1:.�� A necessidade de prevenir uma crise de confian�a produzida por inadimpl�ncias na BM&F constitu�a leg�timo exerc�cio de compet�ncia discricion�ria.

 

Isto foi em boa hora reconhecido pela senten�a �s fls.s 254-256.

PRINC�PIO 2: A necessidade de preserva��o das reservas internacionais do Banco Central do Brasil na fase inicial de opera��o de um novo regime de banda cambial constitu�a igualmente leg�timo exerc�cio de compet�ncia discricion�ria.

 

Na realidade, uma das principais raz�es por que se desejava evitar uma crise de confian�a na BM&F era que essa crise poderia provocar um ataque � posi��o de reservas internacionais do BACEN, inviabilizando a sustenta��o do novo regime cambial que se procurava implantar. Isto est� exposto no item 2.1.1 das nossas alega��es finais; trata-se de no��o elementar e intuitiva, tendo-se presente a delicadeza do momento de transi��o entre os dois regimes cambiais. Descurar de t�o elementar quest�o, ou seja, do objetivo de preservar as reservas na transi��o para o regime da banda cambial end�gena � esta sim � seria uma ilicitude t�pica; ter�amos uma prevarica��o.

 

Princ�pio 3:A necessidade de evitar turbul�ncias e crises de confian�a no mercado financeiro na fase inicial de opera��o do regime de livre flutua��o cambial, que se seguiu ao fracassado regime de banda cambial end�gena, constitu�a igualmente leg�timo exerc�cio de compet�ncia discricion�ria.

Este princ�pio � particularmente relevante para o caso dos fundos Marka-Nikko.

 

Princ�pio 4:.O exerc�cio de compet�ncia discricion�ria que, com o objetivo de evitar crise de confian�a e instabilidade numa situa��o emergencial e absolutamente particular e at�pica, privilegia os valores absolutos e p�blicos da estabilidade do mercado est� em conson�ncia com as exig�ncias da boa administra��o p�blica. A in�rcia � uma vez mais � � que seria delet�ria, conden�vel ecorporificaria prevarica��o.

 

Elucidemos melhor esta quest�o. A defini��o no voto BCB 006/99 (fls 1.753, vol. 6 do IPL) foi de que a Autarquia atuaria de modo a liquidar posi��es vendidas, no mercado futuro de d�lar, de institui��es financeiras que o procurassem evidenciando dificuldades em reverter essas posi��es ap�sa introdu��o do novo regime de banda cambial.O esp�rito do voto era que essa autoriza��o permaneceria enquanto perdurassem as condi��es excepcionais produzidas pela transi��o do regime cambial.

 

O texto relevante do voto � seu par�grafo 3 que reproduzimos em seguida:

�Presente esse quadro e ante a necessidade de manuten��o da pol�tica cambial e da estabilidade do sistema financeiro nacional, propomos a esse colegiado, como medida preventiva, a realiza��o, pelo Departamento de Opera��es das Reservas Internacionais � DEPIN, de opera��es de venda de d�lar futuro junto � BM&F, com o prop�sito de viabilizar a liquida��o de posi��es vendidas nesses mercados futuros de d�lar norte-americano de institui��es que evidenciem tais dificuldades, permitindo, com isso, seja assegurada a normalidade da economia p�blica e resguardados os interesses dos depositantes, investidores e demais credores�.[nosso grifo]

 

O voto BCB 006 estabeleceu a sistem�tica de atua��o do BACEN no enfrentamento da crise. Dada a situa��o excepcional vivida, a diretoria autorizava o DEPIN a operar para atender a situa��es emergenciais no caso de bancos que viessem a procurar aux�lio do BACEN em decorr�ncia de situa��es produzidas pela transi��o de regime cambial. Era como se numa guerra, com escassez de recursos, se decidisse montar um hospital de campanha para atender os casos emergenciais que solicitassem atendimento. Mas est� claro no voto BCB 006 que o crit�rio para a provis�o de eventual ajuda era que a institui��o procurasse a Autoridade Monet�ria evidenciando (ou tornando evidentes as) suas dificuldades.

N�o seria prudente que se fizesse um an�ncio p�blico de que a Autarquia estava disposta a ajudar quaisquer institui��es em dificuldade com o objetivo de evitar crise sist�mica. Isso n�o apenas geraria �uma explos�o de demanda� por ajuda, que naturalmente aumentaria o custo potencial a ser arcado pelo BACEN � como percebeu a MM. Ju�za �s fls. 353, em contexto similar � mas tamb�m, em ultima analise, seria forma segura e irrespons�vel de produzir a pr�pria instabilidade que se procurava evitar. Como demonstramos no item 2.1.1 das ALEGA��ES FINAIS, a simples not�cia de que dois bancos estavam com problemas para honrar seus contratos de venda de d�lar futuro seria suficiente para produzir um surto de desconfian�a em rela��o � BM&F e um poss�vel ataque contra as reservas internacionais do Banco Central.

 

Desta forma, entendeu a diretoria que era do interesse p�blico atender a todos os bancos que procurassem o BACEN, resolvendo cada caso de acordo com sua gravidade e necessidade, ainda que sempre dentro da legalidade. Neste sentido a diretoria estava afirmando que era do interesse p�blico (para evitar a gera��o de crise de confian�a e instabilidade numa situa��o emergencial) uma tal aten��o. O Banco Central estava, pois, receptivo a todos os bancos que demonstrassem dificuldades e solicitassem acompanhamento da Autarquia. N�o houve privil�gios. Isto, novamente, constituiu leg�timo exerc�cio de compet�ncia discricion�ria.

 

Principais pontos da senten�a e sua Refuta��o

 

1) Da Alegada Ilicitude da opera��o com o Banco Marka

 

Nossas Alega��es Finais apresentaram uma detalhada argumenta��o demonstrando a legalidade da opera��o com o Banco Marka. Mostramos a fragilidade dos mecanismos de defesa da BM&F e como a crise de janeiro de 1999 teria sido suficiente para produzir o colapso dessa bolsa. Para evitar o colapso, a BM&F seria for�ada a recorrer � liquida��o antecipada, compuls�ria dos contratos em aberto. A simples not�cia de que dois bancos estavam inadimplentes em uma grande posi��o de mais de vinte mil contratos de venda de d�lares futuros seria suficiente para produzir uma crise de p�nico e forte desconfian�a em rela��o � solidez financeira da BM&F. A conseq��ncia da crise de confian�a seria uma busca desenfreada por formas alternativas de prote��o contra uma eventual desvaloriza��o cambial, que se transformaria num ataque �s reservas internacionais do Banco Central, inviabilizando a defesa do regime de banda cambial que se procurava consolidar e for�ando a flutua��o cambial que se queria evitar a todo custo. (se��es 1, 2.1 e 2.1.1)

 

Do grande n�mero de depoimentos nos autos, inclusive de economistas convocados pela ju�za, ficou claro a necessidade imperiosa que tinha a Autoridade Monet�ria de intervir para evitar ao m�ximo uma forte perturba��o no mercado. Houve praticamente consenso sobre isso apesar da controv�rsia sobre se estaria caracterizada ou n�o uma situa��o de risco sist�mico de determinadas caracter�sticas para o sistema financeiro como um todo. Esse virtual consenso est� perfeitamente resumido nas afirma��es do professor Alo�sio Teixeira, uma testemunha convocada pela ju�za, quando afirmou �que a tomada de decis�es � inerente ao exerc�cio da autoridade� e �que de forma nenhuma poderia a autoridade monet�ria se omitir�. (se��o 2.1.2)

 

Ficou tamb�m demonstrado que o objetivo de evitar a inadimpl�ncia do Banco Marka na BM&F destru�a qualquer embasamento legal para que se pudesse recorrer � sua liquida��o extrajudicial. (se��o 2.2)

A quest�o do poss�vel preju�zo do Banco Central na opera��o foi abordada sob tr�s �ngulos. Primeiro, mostrou-se que a opera��o foi realizada a pre�o superior � cota��o do dia na BM&F e que � falsa a premissa de que a cota��o no mercado futuro de d�lares tem que ser sempre superior � cota��o no mercado � vista. (se��o 2.3) Segundo, mostrou-se que n�o se concebe que um Banco Central opere com a preocupa��o de gerar lucro ou evitar preju�zo, j� que o objetivo de manter a estabilidade econ�mica sobrep�e-se a qualquer preocupa��o deste tipo. O Banco Central do Brasil, como qualquer outro Banco Central, n�o tem o objetivo prec�puo de gerar lucro mas de disciplinar a moeda e o cr�dito, visando a estabilidade e a confian�a do mercado.Terceiro, mostrou-se que a decis�o de vender certa quantidade de d�lares futuros para evitar a perda de uma quantidade maior de reservas num per�odo de desvaloriza��o cambial pode significar um ganho l�quido para o Banco Central a despeito do preju�zo que ser� incorrido com a posi��o vendida em d�lares futuros (se��o 2.3.1).

 

Grande parte das teses apresentadas em nossas Alega��es Finais foi acolhida pela senten�a que, n�o obstante, concluiu pela ilegalidade da opera��o. A senten�a afirma na p�gina 255:

�O que se reconhece �, apenas, que os acusados FRANCISCO LOPES, DEMOSTHENES MADUREIRA E CLAUDIO MAUCH poderiam ter avaliado, no exerc�cio da compet�ncia discricion�rio conferida pelo art.11, III da Lei 4595/64 aos ocupantes da c�pula da autarquia, que a necessidade de impedir poss�vel risco sist�mico impunha uma atua��o do Banco Central no mercado de c�mbio para evitar inadimplementos de grande monta na BM&F naquele momento�

�Em suma, a prova dos autos demonstrou, atrav�s dos in�meros economistas ouvidos,. que embora seja poss�vel discordar da motiva��o utilizada, constitu�a ela uma leitura poss�vel e razo�vel do momento econ�mico brasileiro daqueles dias�.

 

Mas nas pags 287-288 afirma:

�Ocorre que, se por um lado a id�ia de risco sist�mico permite explicar o porqu� de opera��es com o BANCO MARKA..., esta tese n�o vai t�o longe a ponto de permitir que o aludido r�u� [Cacciola] saia da opera��o com o patrim�nio pessoal intocado, sem nada dever ao BACEN e ainda com outros treze milh�es de d�lares em contas na exterior(!)�. [grifo no original]

�� dif�cil de acreditar que, mesmo ap�s o enorme disp�ndio de recursos p�blicos com a opera��o, CACCIOLA nada ficou devendo aos cofres p�blicos, o que lhe permitiu receber, em mar�o de 1999, uma devolu��o, do BACEN, de dois milh�es de reais que compunham sua conta �reserva banc�ria�.[grifo no original]

 

Esta sutil contraposi��o entre motiva��o v�lida e �objeto� inv�lido claramente representa a coluna vertebral da senten�a condenat�ria no caso do Banco Marka. Isto fica claro na p�g. 319:

�No caso dos autos, interessa-nos n�o o motivo do ato em exame, cujo reconhecimento, como vimos e repetimos, constituiu exerc�cio leg�timo de discricionariedade administrativa, mas o objeto ou conte�do do ato�. [grifo no original]

 

que antecede a conclus�o da p�g. 322:

�Como conclus�o, percebe-se que se a id�ia de risco sist�mico poderia ser invocada para permitir uma atua��o excepcional do BACEN na BM&F, ...n�o consegue explicar o porqu� de n�o ter a autarquia se preocupado com o ressarcimento dos valores empregados, atrav�s da caracteriza��o da opera��o como uma esp�cie de m�tuo, bem como atrav�s do comprometimento do patrim�nio pessoal do especulador, e mais, impedindo ganhos injustificados na casa de dezenas de milh�es de d�lares, posteriormente remetidos ao exterior.�

 

Pode-se concluir, portanto, que em ess�ncia a senten�a considerou que a opera��o com o Banco Marka, apesar de sua motiva��o leg�tima, foi ilegal somente porque:

(I) Cacciola ficou com patrim�nio pessoal intocado.

(II) Cacciola saiu sem dever nada ao BACEN.

(III) Cacciola sacou dois milh�es de reais da conta de reserva banc�ria.

(IV) Cacciola enviou US$ 13 milh�es para o exterior em proveito pr�prio.

Com rela��o ao item (I), �Cacciola ficou com patrim�nio pessoal intocado�, a ju�za est� esquecendo que certamente o principal componente do patrim�nio pessoal de Cacciola eram suas a��es de controle sobre o Banco Marka (que poderiam valer algo como US$ 100 milh�es em condi��es normais) e que essas a��es passaram a ter valor zero com a zeragem do patrim�nio l�quidodo banco e sua posterior desativa��o. Portanto, n�o � correto afirmar que o patrim�nio pessoal de Cacciolaficou intocado pela crise.

 

Com rela��o ao item (II), �Cacciola saiu sem dever nada ao BACEN�, a ju�za desconsidera que para que Cacciola ficasse devendo ao BACEN seria necess�rio que este lhe fizesse um empr�stimo, que n�o ocorreu para o qual obviamente n�o haveriam garantias adequadas. Ao longo dos depoimentos a Sra Ju�za tentou, sem qualquer sucesso, obter de v�rios dos economistas depoentes uma sugest�o de como obter essa mencionada �caracteriza��o da opera��o como uma esp�cie de m�tuo�. Por exemplo, o Professor Carlos Lessa, outra testemunha convocada pela ju�za, afirmou:

�...que confessa que n�o entende a solu��o aventada para uma interven��o do BACEN menos onerosa constante da coluna do jornalista Celso Pinto da Folha de S�o Paulo de 11/04/1999, onde foi sugerido que o empr�stimo tivesse sido feito tomando os pr�prios d�lares emprestados como garantia; que se os d�lares ser�o usados para liquidar opera��es na bolsa, n�o h� como us�-los ao mesmo tempo como garantia; que poderia sugerir como poss�vel interpreta��o do trecho lido a possibilidade de o banco passar a ser devedor em d�lares do BACEN, sendo esta uma solu��o poss�vel; que o depoente entende que ainda assim esta solu��o n�o seria razo�vel, j� que estaria o banco em situa��o de dificuldade financeira para pagar em reais ou em d�lar� (fls.2238/2247 dos autos)

 

Na realidade a �nica forma de obter os efeitos desejados pela ju�za em rela��o aos itens (I) e (II) seria atrav�s de uma liquida��o extrajudicial usando a Lei 6024/74. Surpreendentemente a ju�za neste ponto da senten�a simplesmente ignora as raz�es que apresentamos em detalhe no item 2.2 das nossas ALEGA��ES FINAIS para justificar o fato do BACEN n�o ter recorrido a essa lei. Mas, por outro lado, essas raz�es parecem implicitamente reconhecidas no item 11 da Senten�a (pags 476-477) quando a ju�za decide n�o condenar pelo crime previsto no art 23 da Lei 7492/86.

 

Veja-se, com rela��o a isso, a afirma��o da p�g. 477 da senten�a:

�Deveras, tendo sido reconhecido que a justificativa de risco sist�mico poderia ter sido invocada, dentro do espa�o conferido pela discricionariedade administrativa, para n�o liquidar o Banco MARKA, permitindo assim uma interven��o que melhor atendesse ao interesse p�blico na ocasi�o, fica prejudicada a id�ia de que, em assim agindo, os acusados �omitiram, contra disposi��o expressa de lei, ato de of�cio necess�rio ao regular funcionamento do Sistema Financeiro Nacional�.

O problema em s�ntese � que ao usar a Lei 6024 automaticamente se provocaria o inadimplemento do Banco Marka na BM&F e a crise de confian�a que se desejava evitar. Por outro lado, depois de concretizada a opera��o com o Banco Marka desapareciam automaticamente as condi��es exigidas pela lei para sua aplica��o. De fato, ap�s a opera��o, o banco permanecia totalmente adimplente. Dessas considera��es fica absolutamente claro que ao n�o usar a Lei 6024 a diretoria do BACEN estava apenas exercendo seu leg�timo direito de discricionariedade administrativa.

 

Com rela��o ao item (III), �Cacciola sacou dois milh�es de reais da conta de reserva banc�ria�, a senten�a ignora que os valores dispon�veis na conta de reserva banc�ria do Banco Marka (que � uma esp�cie de conta de dep�sito que todo banco mant�m junto ao Banco Central) j� haviam sido considerados no calculo do patrim�nio l�quido do banco que serviu para a defini��o do pre�o dos d�lares futuros envolvidos na opera��o. Conv�m lembrar que a opera��o de socorro ao Banco Marka foi constru�da de modo a que aquele banco comprasse d�lares futuros do Banco Central a um pre�o tal que seu patrim�nio l�quido (isto � levando em conta a totalidade de seus ativos e passivos) fosse zerado. Adicionalmente, o controlador do banco se comprometeu junto � autoridade a providenciar sua imediata desativa��o. Neste processo de desativa��o era natural que, estritamente dentro das normas do BACEN, a institui��o sacasse os dois milh�es de reais dispon�veis em sua conta de reserva banc�ria de modo a saldar outros compromissos. Ou seja, os dois milh�es de reais da reserva banc�ria j� haviam sido considerados no calculo do patrim�nio l�quido do banco que foi zerado com a opera��o e, portanto, sua devolu��o n�o significou qualquer benef�cio ao seu controlador.

 

Com rela��o ao item (IV), �Cacciola enviou US$ 13 milh�es para o exterior em proveito pr�prio�, a senten�a sustenta uma teoria totalmente sem prova de que a opera��o com d�lares futuros entre o Banco Marka e o Fundo Stock M�xima realizada no dia 13 de janeiro possibilitou a posterior remessa para o exterior de recursos pessoais de Cacciola no valor de 13 milh�es de d�lares. Essa afirma��o � repetida ad nauseam ao longo da senten�a, que ademais parece sugerir que a opera��o foi autorizada pelo Banco Central.

 

Veja-se, com rela��o a isso, as afirma��es das p�gs. 288-289 da senten�a:

�Sobre a opera��o direta� [do Banco Marka] �com o Fundo Stock M�xima, dois pontos ainda devem ser abordados... O primeiro diz respeito � inequ�voca ci�ncia do Banco Central, mais especificamente atrav�s do seu departamento de fiscaliza��o, de que CACCIOLA a fez no pr�prio dia 13, ap�s a desvaloriza��o cambial, aumentando em 25% o montante de contratos que a autarquia precisaria com ele celebrar pra zerar suas posi��es. Um segundo ponto � a surpreendente constata��o de que, muito embora tenha o BACEN tomado ci�ncia da opera��o direta, e com ela aquiescido � na medida em que posteriormente celebrou contratos de d�lar futuro com o MARKA que abrangiam os 2.300 novos contratos adquiridos do STOCK M�XIMA � sequer se exigiu de SALVATORE CACCIOLA que comprovasse o destino, por ele alegado, daqueles milh�es de d�lares que indiretamente genhou com esta manobra [grifo no original].

Assim, a despeito de ter CACCIOLA aduzido que os recursos teriam como destino a satisfa��o de obriga��es na Bolsa de Chicago, isto nunca foi comprovado, tendo sido inclusive oposto, a fiscais do BACEN no Rio de Janeiro que pediram documenta��o pertinente, o direito ao sigilo banc�rio das institui��es estrangeiras envolvidas. [grifo no original].

 

Esta � seguramente uma das partes mais confusas dos autos e da senten�a, e para termos um esclarecimento preciso � conveniente destacar claramente duas quest�es distintas: a) a opera��o com d�lares futuros entre o Banco Marka e o Fundo Stock M�xima; e b) a remessa para o exterior de 13 milh�es de d�lares pelo Fundo Stock M�xima.

Em rela��o � primeira quest�o, � fundamental notar que essa opera��o perfeitamente leg�tima entre duas institui��es financeiras privadas, que sob nenhum aspecto exigia autoriza��o ou permiss�o espec�fica de qualquer autoridade, ocorreu no dia 13 de janeiro, antes do in�cio no dia 14 de janeiro dos entendimentos do BACEN com Cacciola para o desenho da opera��o de venda de d�lares futuros ao Banco Marka; ou seja, j� era um fato consumado naquele momento. De forma alguma foi uma opera��o autorizada pelo BACEN ou que tenha tido sua aquiesc�ncia.

 

� verdade que, �a posteriori� e informalmente, o banqueiro justificou a opera��o para funcion�rios do departamento de fiscaliza��o do Banco Central afirmando que se destinava a honrar passivos no exterior, mas essa explica��o n�o pode ser entendida como um pedido de autoriza��o ou aquiesc�ncia. Para a senten�a, por�m, houve de fato uma aquiesc�ncia do Banco Central �na medida em que posteriormente celebrou contratos de d�lar futuro com o MARKA que abrangiam os 2.300 novos contratos adquiridos do STOCK M�XIMA�

 

Para entender porque essa tese da �aquiesc�ncia do Banco Central� � um �non-sequitur� devemos lembrar que, com base no voto BCB 006/99, o Banco Central decidiu no dia 14 de janeiro realizar uma opera��o de venda de d�lares futuros ao Banco Marka, adotando o princ�pio de usar na opera��o a cota��o que zerasse o patrim�nio l�quido do banco, princ�pio esse que era uma decorr�ncia da necessidade de evitar seu inadimplemento na BM&F, necessidade esta que a senten�a considerou leg�tima. No momento que a decis�o foi tomada o Banco Marka j� tinha absorvido, atrav�s de uma opera��o no dia anterior com o Fundo Stock M�xima, um adicional de 2300 contratos de venda de d�lar futuro, elevando sua posi��o vendida total para 12650 contratos. Esta opera��o entre partes privadas, realizada dentro das normas vigentes e sem qualquer v�cio de ilegalidade, era um fato consumado no dia 14 de janeiro, n�o havendo qualquer instrumento legal que permitisse sua revers�o ou anula��o.

 

Para a diretoria do Banco Central restavam apenas duas alternativas no dia 14 de janeiro: 1) realizar a venda de d�lares futuros ao Banco Marka considerando sua posi��o total na BM&F de 12650 contratos e a um pre�o calculado a partir do princ�pio da zeragem do seu patrim�nio l�quido, impedindo dessa forma o inadimplemento do banco na BM&F; ou 2) excluir da opera��o de venda de d�lares futuros ao Banco Marka os 2300 contratos agregados na v�spera pela opera��o com o Fundo Stock M�xima, mas dessa forma tornando certo oinadimplemento do banco na BM&F, pois ficaria com patrim�nio l�quido negativo. O mesmo resultado seria produzido se o Banco Central recalculasse o pre�o do d�lar futuro utilizado na opera��o de modo a excluir aqueles 2300 contratos do passivo do banco ao definir o seu patrim�nio l�quido.

 

Partindo, portanto, do princ�pio de que o Banco Central tinha que intervir para evitar o inadimplemento do Banco Marka na BM&F, princ�pio este que a senten�a considerou leg�timo, conclu�mos necessariamente que n�o havia alternativa que n�o fosse a de aceitar como fato consumado a opera��o realizada na v�spera entre o Banco Marka e o Fundo Stock M�xima. Dentro daquele princ�pio o Banco Central n�o poderia ter tomado qualquer curso de a��o diferente do que tomou.

 

Resta a quest�o da remessa para o exterior de 13 milh�es de d�lares pelo Fundo Stock M�xima, que a senten�a (sem qualquer prova ou fundamento f�tico) identifica como recursos pr�prios de Cacciola.Para analisar corretamente esta quest�o � fundamental conhecer o mecanismo do fundo de renda fixa-capital estrangeiro, uma modalidade de fundo de investimento regulamentada pela Resolu��o 1.289/87 do Conselho Monet�rio Nacional. (dispon�vel em: http://www5.bcb.gov.br/pg1Frame.asp?idPai=NORMABUSCA&urlPg=/ixpress/correio/correio/DETALHAMENTOCORREIO.DML?N=087080104&C=1289&ASS=RESOLUCAO+1.289)

 

Segundo a defini��o do pr�prio Banco Central o �Fundo de Renda Fixa - Capital Estrangeiro, constitu�do no Pa�s sob a forma de condom�nio aberto, de que participam, exclusivamente, pessoas jur�dicas domiciliadas ou com sede no exterior, fundos e outras entidades de investimento coletivo estrangeiros, � uma comunh�o de recursos destinados � realiza��o de investimentos em ativos financeiros de renda fixa� (Circular 2.388/93 - BCB).

 

Atrav�s desse mecanismo um investidor estrangeiro ingressa recursos no pa�s para investimento em renda fixa e, segundo o cap�tulo VI da Resolu��o 1.289/87, ap�s um per�odo m�nimo de noventa dias de perman�ncia est� liberado para retornar o valor apurado na liquida��o do investimento. Esse retorno de recursos ao exterior pode ser feito de forma autom�tica sem a necessidade de qualquer autoriza��o pr�via do Banco Central, exigindo-se apenas um registro declarat�rio por meio eletr�nico (isto �, via SISBACEN � ver Resolu��o 2.337/96).

 

O Fundo Stock M�xima era um fundo de renda fixa-capital estrangeiro que, segundo afirma Cacciola nas suas Alega��es Finais neste processo, havia ingressado com 18 (dezoito) milh�es de d�lares para aplica��es financeiras no pa�s. Estava, portanto, automaticamente autorizado para, a qualquer momento, remeter ao exterior qualquer valor dentro desse limite. Isto significa que a remessa ao exterior de 13 milh�es de d�lares pelo fundo Stock M�xima, que ocorreu nos dias 14 e 18 de janeiro, foi realizada de forma autom�tica, sem a necessidade de qualquer permiss�o ou autoriza��o do Banco Central.

 

Com rela��o ao destinat�rio final da remessa, e se eram realmenterecursos pr�prios de Cacciola, podemos notar que o Fundo Stock M�xima era um fundo de renda fixa-capital estrangeiro que tinha como �nico investidor o �The Inovation Fund Ltd�, que por sua vez era um fundo de investimento (ou international business company, o que � a mesma coisa) sediado nas Bahamas. Essa constru��o de um fundo de renda fixa capital estrangeiro com um �nico investidor estrangeiro era bastante comum no mercado financeiro brasileiro daquela �poca.

 

As normas brasileiras n�o exigiam que, no caso do investidor estrangeiro ser ele pr�prio um fundo de investimento, a identidade dos cotistas desse fundo fosse informada ao Banco Central. De fato, at� hoje n�o foi poss�vel apurar quem eram os verdadeiros cotistas estrangeiros do Inovation Fund. Neste sentido a testemunha Ant�nio Carlos Magalh�es, funcion�rio da fiscaliza��o do Banco Central, afirmou:

�(...) que o dinheiro foi remetido para a conta do Inovation Fund no Swiss Bank no exterior; que o objetivo era abrir essa conta para saber para onde o dinheiro foi; se foi para honrar passivos em Chicago ou para outra finalidade, mas ... isto n�o foi aberto sob alega��o de sigilo banc�rio em Bahamas; que essa informa��o sobre sigilo banc�rio foi passada por Cinthia, diretora jur�dica do Marka�(fls 878) [isto est� em 173 MP]

 

O fato � que n�o est� provado nos autos que Cacciola era cotista do Inovation Fund. O que se depreende das declara��es do pr�prio Cacciola � que o Marka Bank, o bra�o internacional do Banco Marka, era o gestor do Inovation Fund e essa teria sido a motiva��o oferecida por ele, post facto, ao departamento de fiscaliza��o do Banco Central para a opera��o direta entre o Banco Marka e o Fundo Stock M�xima e para a remessa de 13 milh�es ao exterior � opera��es essas que, como explicamos acima, nunca foram (nem precisavam ser) submetidas � Autoridade para avalia��o ou autoriza��o.

 

Pode-se entender que se o Inovation Fund ou o pr�prio Marka Bank tinham contratado a venda de d�lares futuros no exterior (na Bolsa de Chicago ou diretamente junto a alguma institui��o banc�ria americana, sob a forma de �non-deliverable futures�), essa posi��o vendida de d�lares futuros se constitu�a indiretamente num risco solid�rio do Banco Marka no Brasil. N�o h� d�vida que, se houvesse uma inadimpl�ncia do Marka Bank no exterior, isto inevitavelmente comprometeria a credibilidade e a pr�pria viabilidade financeira do Banco Marka no Brasil. Do ponto de vista de Cacciola esta poderia ser uma motiva��o v�lida num momento em que ainda n�o tinha conhecimento da decis�o que viria a ser adotada posteriormente pelo Banco Central de exigir a desativa��o do seu banco como resultado da opera��o de socorro.

 

Deve-se notar que a sra ju�za surpreendentemente recusou o pedido da defesa de Cacciola no sentido de trazer aos Autos maiores informa��es sobre as opera��es do Inovation Fund e do Marka Bank:

�(...) 6. Finalmente, cumpre analisar o pedido de expedi��o de cartas rogat�rias para Bahamas e Chicago.

(...) Ap�s muito meditar, n�o vislumbrei utilidade nas dilig�ncias requeridas pela defesa, uma vez que, ainda que o Central Bank e a KPMG informem a exist�ncia de credores do Marka Bank nas Bahamas, esta informa��o n�o servir� de prova de que os recursos depositados no Swiss Bank foram posteriormente empregados para quita��o destas obriga��es. Saber-se-�, apenas, que havia credores, mas n�o que estes credores foram pagos com o numer�rio enviado ao exterior.�

(...) O mesmo racioc�nio pode ser empregado com rela��o � rogat�ria para Chicago, j� que, ainda que as informa��es a serem prestadas levem � conclus�o da exist�ncia de d�bito superior �quele constatado pelos ficais do BACEN, a simples exist�ncia deste d�bito n�o elucidar� a quest�o principal, qual seja, a destina��o efetiva do dinheiro.(fls. 1635) [isto est� na p�gs 174-175 das Alega��es Finais do MP]

 

Muita incerteza poderia ter sido eliminada dos autos se a Sra Ju�za tivesse acolhido os requerimentos da defesa de Cacciola no sentido de enviar cartas rogat�rias para Bahamas e Chicago. Ao contr�rio disso, que representaria um trabalho normal de levantamento de provas na fase de instru��o, a senten�a prop�e um ex�tico m�todo de prova quando afirma que:

�...seria muito f�cil para o Banco Marka ou para o r�u CACCIOLA a comprova��o da exist�ncia de d�bitos no estrangeiro neste montante (13 milh�es de d�lares), caso eles realmente existissem. Fizesse a juntada dessa prova aos autos, mediante documenta��o... e clara estaria a legitimidade da remessa. Preferiu, por�m, opor o sigilo, deixando nos autos a prova de que os recursos remetidos tiveram como destino, na verdade, suas contas no estrangeiro� (p�g. 294) [nosso grifo].

 

Podemos acreditar ou n�o na explica��o da remessa de 13 milh�es de d�lares oferecida por Cacciola nos autos. A priori n�o havia como ainda n�o h� nenhuma raz�o para n�o acreditar. Mas o que se pode afirmar com seguran�a � apenas que:

a) n�o h� qualquer prova nos autos de que Cacciola tenha sidobenefici�rio da remessa de 13 milh�es de d�lares ao exterior pelo fundo Stock-M�xima; e

b) essa prova, se houvesse, seria absolutamente irrelevante para o julgamento do feito, j� que no dia 14 de janeiro o Banco Centraln�o tinha como n�o aceitar como fato consumado a opera��o realizada na v�spera entre o Banco Marka e o Fundo Stock M�xima e, posteriormente, n�o poderia ter evitado uma remessa de recursos ao exterior por esse fundo de renda fixa-capital estrangeiro, remessa esta que prescindia de autoriza��o ou permiss�o da Autoridade.

 

Para justificar a condena��o por peculato, a senten�a argumenta ainda que foi um ajuste de vontades entre Cacciola, Luiz Bragan�a e Francisco Lopes que gerou a opera��o de venda de d�lares futuros ao Banco Marka.Este ajuste teria sido viabilizado atrav�s de um encontro entre Luiz Bragan�a e Lopes no caf� da manh� do dia 14 de janeiro e num bilhete de Cacciola a Lopes recebido pelo �ltimo na tarde do mesmo dia. Para a senten�a (na p�g. 507):

�A efic�cia da investida de Bragan�a, encarregado de transmitir a Lopes as pretens�es de Cacciola, � indubit�vel, haja vista o resultado das opera��es do BACEN com o Banco Marka, com sobra de treze milh�es de d�lares, coincidentemente a mesma que resultaria de uma cota��o de R$ 1,25 por d�lar, mencionada por Cacciola no bilhete a Lopes� .

 

Essa teoria, al�m de carecer absolutamente de provas concretas, apresenta diversas inconsist�ncias. Por exemplo, a diferen�a entre a cota��o mencionada no bilhete de Cacciola (R$ 1,25) e a cota��o efetivamente usada na opera��o (R$ 1,275) foi de R$ 0,025, o que corresponderia a cerca de 31 milh�es de reais qualquer que fosse a cota��o do d�lar (igual � multiplica��o da diferen�a de R$ 0,025 por d�lar pelo valor total de 12650 contratos que seria de um bilh�o e 265 milh�es de d�lares). Com uma cota��o do d�lar de R$ 1,275 isso equivaleria a cerca de 25 milh�es de d�lares. N�o h� qualquer rela��o �bvia entre esse n�mero e a suposta sobra de 13 milh�es de d�lares mencionada na senten�a.

 

� claro que Cacciola defendeu o uso da cota��o de R$ 1,25 por que esta era de fato a cota��o do dia na BM&F, sendo que a esse pre�o foram transacionados no preg�o de viva voz 3221 contratos no valor de 306 milh�es de d�lares. Note-se que o acesso ao preg�o de viva voz � totalmente livre, qualquer interessado pode fechar um neg�cio assim que este � apregoado. Isto est� explicado em detalhe nas p�ginas 350-352 da senten�a. Portanto, n�o faz sentido a argumenta��o de que essas opera��es registradas na BM&F no dia 14 de janeiro foram apenas �um ajuste de posi��o entre empresas�. (Para checar essa �ltima informa��o na Internet basta entrar em http://www2.bmf.com.br/pages/portal/2004/boletim1/ResumoOperacoes1.asp, digitar na caixa�Retroativo� a data�14/01/1999� e clicar OK. Em seguida ver no item �Preg�o de Viva Voz� a linha �DOL:D�lar Comercial�)

 

Tamb�m devemos lembrar que o BACEN tem uma fort�ssima tradi��o de decis�o colegiada e que a opera��o do Banco Marka foi decidida conjuntamente por Francisco Lopes e os diretores Demosthenes e Mauch. Certamente n�o teria acontecido se houvesse a oposi��o dos dois diretores. Ao condenar a ambos por peculato a senten�a implicitamente reconheceu isto. Faltou explicar, por�m, como o suposto ajuste de vontades entre Cacciola, Bragan�a e Lopes teria sido suficiente para induzir os dois diretores a concordarem tamb�m com a opera��o, sem que de fato a considerassem tanto legal como indispens�vel naquele momento para garantir a estabilidade do mercado financeiro e o regular funcionamento da economia. E se eles a consideravam indispens�vel naquele momento para garantir a estabilidade do mercado financeiro e o regular funcionamento da economia, por que Francisco Lopes n�o poderia ter a mesma avalia��o?

 

Cabe ainda registrar que a senten�a reconhece (p�g 343) que �a quebra do princ�pio da igualdade, quando da opera��o com o Banco Marka poderia ser contornada pela indispensabilidade do socorro calcada na id�ia de risco sist�mico�. Pode-se adicionar a isto uma argumenta��o baseada no crit�rio de atua��o caso-a-caso definido pelo voto BACEN 006/99, no qual o requisito de prud�ncia e defesa do mercado e de sua estabilidade e confian�a mostravam-se cruciais na situa��o emergencial em que operava o Banco Central.

 

2) Ilegalidade da opera��o com o Banco FonteCindam

A senten�a objeta no sentido de que o Banco FonteCindam teria condi��es de fazer a defesa (hedge) de suas posi��es no mercado � vista e que �inclusive levaram esta possibilidade ao conhecimento do BACEN, que entretanto preferiu vender-lhes d�lares futuros� (p�g 340). Logo n�o havia risco real de inadimplemento e crise de confian�a na BM&F. Contudo se, alternativamente, o BACEN tivesse preferido vender d�lares � vista ao Banco Fonte haveria uma perda de reservas internacionais que poderia ser evitada pela op��o de vender d�lares futuros. Como se sabe a venda de d�lares futuros, por ser liquidada financeiramente em Reais, n�o afeta a posi��o de reservas internacionais em moeda estrangeira.De fato a op��o de vender d�lares � vista quando existia a alternativa de vender d�lares futuros violaria o princ�pio, enunciado anteriormente, de que a preserva��o das reservas internacionais na fase inicial de opera��o do novo regime da banda cambial end�gena era um objetivo priorit�rio da atua��o da Autoridade Monet�ria.

 

Em outras palavras, no caso da opera��o com o Banco FonteCindam n�o � propriamente correto falar-se de uma opera��o de �socorro�. A rigor em termos de ganhos ou perdas como conseq��ncia da evolu��o da cota��o do d�lar seria indiferente para aquele banco obter a defesa (hedge) para sua posi��o vendida de d�lares futuros atrav�s da compra de d�lares � vista ou da compra de d�lares futuros. Por simetria, em termos de ganhos ou perdas como conseq��ncia da evolu��o da cota��o do d�lar tamb�m seria indiferente para o Banco Central realizar a opera��o com d�lares futuros ou � vista. Ou seja, o preju�zo cont�bil do Banco Central decorrente da eleva��o da cota��o do d�lar teria sido exatamente o mesmo se vendesse d�lares futuros ou � vista. Mas o Banco Central foi o maior benefici�rio da op��o de realizar a opera��o com d�lares futuros pois, desta forma, preservou suas reservas internacionais, o que era seu objetivo priorit�rio naquele momento em que ainda tentava defender o regime de banda cambial end�gena.

 

Como registrado na senten�a (p�g 339), a opera��o com o Banco Fonte foi realizada na cota��o de R$ 1,3220, um valor ligeiramente superior ao teto da banda cambial ent�o vigente (de R$ 1,32). Portanto, a opera��o, al�m de preservar as reservas internacionais, poderia ser vista como um bom neg�cio j� que, como registrado na senten�a (p�g 345), o BACEN �nos dias 13 e 14/01/99 vendeu US$3,66 e US$ 4,24 bilh�es de d�lares � vista no mercado pronto, a uma cota��o m�dia, respectivamente, de R$ 1,3042 e R$ 1,31759�, ou seja, a um pre�o menor.

 

Do ponto de vista do BACEN n�o havia por que recusar uma opera��o de venda de d�lares futuros que preservava as reservas internacionais e envolvia pre�o superior ao teto da banda vigente e superior tamb�m � cota��o m�dia do mercado. De fato esta tese � claramente admitida pela senten�a nas pags 342-343, que inclusive lhe atribui o adjetivo de �inteligente�:

�Como pretende a defesa justificar a opera��o?Atrav�s da id�ia da aus�ncia de preju�zo.Argumenta-se, em s�ntese, que ao vender d�lares no mercado futuro, ao inv�s de vend�-los no mercado vista, o Banco Central agiu de forma a preservar suas reservas, a um mesmo custo,na medida em que os d�lares das reservas poupados (com a venda no mercado de futuros) tiveram a mesma valoriza��o dos contratos celebrados na BM&F, sendo o preju�zo no mercado de futuros compensado pelo aumento do valor das reservas cambiais.

A tese � inteligente e j� constava do documento oficial do Banco Central a respeito da opera��o com o Banco FONTECINDAM, acima mencionado.� [grifo nosso]

�O que se deve ainda perguntar �: juridicamente, poderia t�-lo feito o Banco Central?...poderia ter oferecido esta possibilidade de revers�o apenas para o FONTECINDAM?�

 

A resposta para esta �ltima quest�o � um �SIM�, simples e inequ�voco. Somente por n�o reconhecer que a preserva��o das reservas internacionais do Banco Central do Brasil na fase inicial de opera��o de um novo regime de banda cambial constitu�a objetivo t�o priorit�rio para a diretoria quanto o objetivo de evitar inadimpl�ncias de grande porte na BM&F, e a rigor at� mesmo mais fundamental, � que a senten�a conclui pela ilicitude da opera��o com base na quebra do princ�pio da igualdade. Mas da mesma forma que concluiu que �a quebra do princ�pio da igualdade, quando da opera��o com o Banco Marka poderia ser contornada pela indispensabilidade do socorro calcada na id�ia de risco sist�mico� (p�g 343), tamb�m deveria ter conclu�do que a quebra do princ�pio da igualdade, quando da opera��o com o Banco FonteCindam poderia ser contornada pela indispensabilidade do socorro calcada na id�ia de preservar as reservas internacionais na fase de implanta��o do novo regime da banda cambial end�gena.

 

A natureza priorit�ria e fundamental do objetivo de preserva��o das reservas internacionais no regime de banda cambial fica clara quando se entende que o risco sist�mico era relevante no caso do Banco Marka principalmente porque a partir dele se caracterizava a possibilidade de um ataque de grandes propor��es � posi��o de reservas internacionais do Banco Central. No dois casos, tanto do Banco Marka como do Banco FonteCindam, a motiva��o essencial do Banco Central era preservar as reservas internacionais como requisito incontorn�vel para a preserva��o do regime de banda cambial que se pretendia implantar. Se o Banco Central ficasse totalmente sem reservas n�o poderia mais manter o compromisso de vender uma quantidade ilimitada de d�lares � vista ao teto da banda, compromisso este que � a pr�pria defini��o do regime de banda cambial. Ou seja, se o Banco Central perdesse todas as suas reservas o regime de banda cambial se tornaria invi�vel e a flutua��o cambial que tanto se temia naquele momento se imporia naturalmente.

 

A preocupa��o com o risco sist�mico no caso do Banco Marka era exatamente a de que uma crise de confian�a na BM&F produzisse um processo de rea��o em cadeia que levasse a um ataque de grande envergadura sobre a posi��o de reservas cambiais, com os investidores buscando desesperadamente comprar d�lares do Banco Central ao teto da banda como forma de restaurar o seguro (hedge) cambial que se percebia amea�ado pela crise na BM&F. Aqui tamb�m a ess�ncia do problema era a perda de reservas cambiais num regime de banda, o que confirma sua centralidade e sua natureza fundamental nos dois casos considerados.

 

Tamb�m no caso do Banco FonteCindam cabe a argumenta��o baseada no crit�rio de atua��o caso-a-caso definido pelo voto BCB 006/99, no qual o requisito de prud�ncia foi privilegiado em detrimento dos requisitos de isonomia e igualdade, j� que existia um evidente conflito entre eles na situa��o emergencial em que operava o Banco Central.

 

3) Ilegalidade da opera��o com os fundos Marka-Nikko

O BACEN vendeu 3700 contratos aos fundos Marka-Nikko em 19 de janeiro ao pre�o de R$ 1,56. A opera��o direta foi decidida e autorizada pelo BACEN na tarde daquele dia e sua liquida��o financeira ocorreu no dia seguinte. Neste dia 19 de janeiro a cota��o na BM&F era de R$ 1,50019 e a cota��o no mercado � vista era de R$ 1,5580 (e n�o R$ 1,5735 como afirmado na p�gina 305 da senten�a, que na realidade corresponde � cota��o do dia 20 de janeiro, data da liquida��o financeira da opera��o). As duas taxas se situavam, portanto, abaixo do pre�o utilizado na opera��o com os fundos Marka-Nikko.

 

Note-se que a senten�a afirma que a opera��o foi realizada nos dia 19 e 20/01/99 (p�g 295) � talvez para justificar a utiliza��o posterior do pre�o maior do d�lar � vista do dia 20 - mas a �nica interpreta��o poss�vel para essa dupla data para uma �nica opera��o, � que ela foi contratada do dia 19 para liquida��o financeira no dia 20 (como, ali�s, ocorre normalmente).

 

Pode-se notar tamb�m que no dia 19 de janeiro a cota��o do d�lar futuro na Chicago Mercantile Exchange (CME) era de R$ 1,538 e que no dia 20 de janeiro era de R$ 1,557. Qualquer dessas taxas se situava tamb�m abaixo do pre�o utilizado na opera��o com os fundos Marka-Nikko. (Para consultar cota��es na Chicago Mercantile Exchange basta acessar o site http://www.econstats.com/fx/fx__d3.htm e consultar a coluna Brazil reis/USD)

 

Portanto a venda de d�lares aos fundos Marka-Nikko foi feita a pre�o superior �s cota��es tanto no mercado � vista como nos mercados futuros da BM&F e da Chicago Mercantile Exchange.

 

Por que os fundos Marka-Nikko tiveram interesse em comprar d�lares futuros do Banco Central a pre�o claramente superior �s cota��es de mercado? Esse interesse inusitado dos administradores dos fundos ocorreu porque os investidores japoneses, que eram seus principais aplicadores de recursos e tinham participa��o ativa na sua administra��o, estavam ansiosos (ou, porque n�o dizer, desesperados) para zerar rapidamente sua posi��o no Brasil, em virtude do seu grande desconforto com as perdas j� contabilizadas, e n�o desejavam faz�-lo de forma gradual na BM&F, como aconselharia a boa gest�o financeira. Preferiam faz�-lo rapidamente mesmo que com preju�zo.

 

� importante notar que claramente n�o se aplica aqui o argumento de que a baixa liquidez do mercado futuro tornava o pre�o da BM&F irreal. No dia 19 de janeiro o volume negociado j� havia subido para US$ 2,880,709,178 (isto �, dois bilh�es, oitocentos e oitenta milh�es de d�lares), o equivalente a 28710 contratos, dando razo�vel liquidez ao mercado. (Para checar essa informa��o na Internet basta entrar em http://www2.bmf.com.br/pages/portal/2004/boletim1/ResumoOperacoes1.asp, digitar na caixa�Retroativo� a data�19/01/1999� e clicar OK. Em seguida ver no item �Preg�o de Viva Voz� a linha �DOL:D�lar Comercial�).

 

S� para efeito de compara��o informamos que no dia 11/04/2005, um dia recente tipicamente normal, foram negociados contratos de d�lar futuro no valor de US$ 2,490,651,534 (isto �, dois bilh�es e quatrocentos e noventa milh�es de d�lares), ou seja, um valor inferior ao do dia 19/01/99.

 

Tamb�m � muito importante notar que o fato do mercado futuro de d�lar da BM&F ter alcan�ado razo�vel liquidez com uma cota��o para o d�lar futuro (de R$ 1,50019) inferior � cota��o do mercado � vista (de R$ 1,5580) mostra que a expectativa do mercado era que a cota��o do d�lar poderia se estabilizar ou mesmo cair at� o final do m�s (quando seriam liquidados os contratos de d�lar futuro).

 

O Banco Central do Brasil n�o estava mais operando regularmente no mercado de d�lares futuros no dia 19 de janeiro, inclusive porque isso tinha sido parte de um entendimento informal com o Fundo Monet�rio Internacional. N�o havia, entretanto, qualquer impedimento legal para que o fizesse caso considerasse que isso atendia ao interesse de manter o regular funcionamento dos mercados financeiros. Por que houve esse interesse no caso dos fundos Marka-Nikko?

 

Em primeiro lugar, porque se n�o houvesse a opera��o com o Banco Central, a atua��o nervosa dos investidores japoneses ansiosos por zerar a posi��o dos fundos Marka-Nikko certamente teria o efeito de pressionar para cima as cota��es do d�lar nos mercados � vista e futuro. Para o Banco Central, naquele momento administrando a fase inicial de opera��o do regime de livre flutua��o cambial que sucedeu o regime de banda cambial end�gena, interessava reduzir ao m�nimo o movimento de desvaloriza��o cambial no per�odo.

 

Adicionalmente pode-se notar que a pr�pria senten�a reconhece que o problema dos fundos Marka-Nikko tinha alguma associa��o com problema do Banco Marka, pois �havia realmente risco de o Banco Marka ser instado a honrar passivos de alguns de seus fundos que viessem a ter patrim�nio l�quido negativo� (p�g. 303). Por outro lado devemos lembrar que os fundos Marka-Nikko foram resultado do forte aporte de recursos ao Brasil de um investidor estrangeiro, a corretora japonesa Nikko, o que colocava em pauta a delicada quest�o da possibilidade de eventual quebra de um investidor estrangeiro num momento muito delicado de in�cio da implanta��o de um regime de flutua��o cambial.

 

Temos ainda que reconhecer que a explicita��o de grande preju�zo de algum fundo Marka-Nikko fatalmente traria ao mercado a suspeita de que o Banco Marka tinha tido problemas em honrar sua posi��o vendida na BM&F, gerando o receio de que poderiam haver outros bancos em igual dificuldade (ou que entrariam em dificuldade proximamente se a cota��o do d�lar continuasse a subir). Isto naturalmente geraria inseguran�a no mercado quanto � solidez de todas as posi��es de hedge (ou defesa) baseadas em contratos de d�lar futuro na BM&F, o que tenderia a fazer subir a cota��o do d�lar. O BACEN tinha interesse em manter em sigilo qualquer informa��o sobre dificuldades na BM&F, tanto dos fundos Marka-Nikko como do pr�prio Banco Marka, para evitar qualquer sensa��o de inseguran�a no mercado cambial.

 

Mas por que esse tipo de turbul�ncia seria preocupante naquele momento? Dado que n�o foi poss�vel sustentar o regime da banda cambial end�gena e se tornou necess�rio permitir a livre flutua��o cambial a partir de 18 de janeiro, passou a ser preocupa��o central da diretoria do BACEN que a desvaloriza��o da taxa de c�mbio que viesse a ocorrer dentro do novo regime de flutua��o tivesse a menor intensidade poss�vel e se desenvolvesse da forma mais lenta poss�vel.

 

Isto n�o atendia apenas ao interesse nacional de ter o menor impacto inflacion�rio e a menor recess�o econ�mica poss�vel como resultado da transi��o para a livre flutua��o. Atendia tamb�m a um interesse pecuni�rio do BACEN, pois a desvaloriza��o cambial que viesse a efetivamente ocorrer at� o dia 29 de janeiro, data em que vencia a maioria dos contratos de venda futura de d�lares assumidos pelo BACEN, determinaria o montante de desembolso dessas opera��es. Minimizar turbul�ncias no mercado, como as que poderiam ser produzidas por uma atua��o nervosa de zeragem de posi��o dos administradores japoneses dos fundos Marka-Nikko ou pela dissemina��o de not�cias (geralmente at� em vers�es exageradas) sobre as dificuldades desses fundos e do Banco Marka na BM&F e da pr�pria BM&F, atendia a esse interesse de minimizar perturba��es na fase inicial da flutua��o cambial de modo a obter a menor desvaloriza��o cambial poss�vel.

 

Tendo em vista o esp�rito do voto BACEN 006/99, de atuar caso a caso para manter o regular funcionamento dos mercados financeiros num momento de especial risco para a economia brasileira como era a transi��o de regime cambial (que claramente ainda n�o se consolidara no curto intervalo de uma semana que separou os dias 13 e 19 de janeiro), e a possibilidade de realizar a transa��o a cota��o superior aos pre�os tanto do mercado futuro da BM&F como do mercado � vista, portanto realizando um lucro em rela��o �s cota��es de mercado, a diretoria do BACEN considerou que a opera��o com os fundos Marka-Nikko seria um leg�timo exerc�cio de sua compet�ncia discricion�ria, visando o objetivo maior de garantir a estabilidade do sistema financeiro nacional e seu regular funcionamento.

 

A MISS�O INSTITUCIONAL DO BANCO CENTRAL DO BRASIL E OS CUSTOS OPERACIONAIS DA DEFESA DA ESTABILIDADE ECON�MICA E FINANCEIRA.

 

O Banco Central tem como miss�o institucional a guardada moeda nacional e do sistema financeiro nacional. Sua atua��o � pautada levando em conta os objetivos maiores da estabilidade econ�mica e financeira e da preserva��o da poupan�a nacional. A Autoridade monet�ria n�o pode ser uma institui��o que visa � maximiza��o de lucros ou que deixe de atuar efetivamente devido � necessidade de eliminar qualquer risco de preju�zo em suas opera��es. Suas atividades devem ser exercidas visando prioritariamente garantir a estabilidade do sistema econ�mico

 

Naturalmente a boa gest�o de um banco central exige que se reduza ao m�ximo poss�vel suas atua��es em opera��es com risco potencial. � por isso que as interven��es nos mercados cambiais e de derivativos devem normalmente ser limitadas. Mas em momentos de grave risco para a estabilidade da economia, essas atua��es podem se tornar inevit�veis, dentro do melhor ju�zo da diretoria da Autarquia.

Como conseq��ncia, logicamente,, eventuais custos operacionais resultantes dessas atua��es da Autoridade, que visam apenas garantir a estabilidade do sistema financeiro nacional e seu regular funcionamento, n�o podem ser considerados como peculato.

Na individualiza��o da pena de Francisco Lopes, a senten�a afirma que:

�As circunst�ncias e conseq��ncias do crime s�o-lhe tamb�m desfavor�veis, haja vista o descomunal volume de recursos p�blicos (cerca de um bilh�o e meio de reais) de que se teriam beneficiado ilicitamente os particulares envolvidos, sem ressarcimento aos cofres p�blicos� (p�g. 549 ST)

 

Na realidade, ao contr�rio do que poderia parecer � primeira vista, a partir de uma interpreta��o literal desta afirma��o, a senten�a entendeu corretamente que os banqueiros do Marka e FonteCindam n�o foram os benefici�rios de uma transfer�ncia de um bilh�o e meio de d�lares. Os benefici�rios foram os compradores de d�lares futuros na BM&F, que desta forma escaparam de uma liquida��o compuls�ria de seus contratos. Como demonstramos em nossas Alega��es Finais (se��es 1, 2.1 e 2.1.1) tal liquida��o compuls�ria produziria grande instabilidade no mercado cambial e, provavelmente, um ataque desesperado de investidores sobre as posi��es de reservas internacionais do Banco Central.

 

� interessante lembrar que em 13 de janeiro de 1999 os bancos Marka e FonteCindam eram vendedores de d�lares futuros, n�o estando portanto inclu�dos entre os compradores de d�lar futuro na BM&F que foram os benefici�rios das opera��es. Entenda-se, por�m, que esses compradores de d�lar futuro foram beneficiados apenas no sentido de que deixaram de sofrer os preju�zos resultantes da liquida��o compuls�ria de seus contratos que adviria inevitavelmente caso a Autoridade tivesse deixado de agir para garantir o regular funcionamento do mercado.

 

Na realidade, portanto, o custo operacional de um bilh�o e meio de reais, cuja contrapartida foi o ganho de igual valor pelos detentores de contratos de compra de d�lar futuro na BM&F, serviu para evitar uma crise de confian�a e um colapso da pr�pria BM&F com poss�vel risco sist�mico. Serviu tamb�m para evitar que o Banco Central realizasse um preju�zo ainda maior ao deixar de auferir a valoriza��o (como conseq��ncia da desvaloriza��o cambial) do valor em reais daquela parte de suas reservas internacionais que teria sido perdida se fosse obrigado a vender quantidade adicional de d�lares no mercado � vista.

 

Apesar de ter entendido isto, a sra ju�za n�o parece ter ficado totalmente imune ao impacto psicol�gico do �descomunal volume� deste custo operacional do Banco Central, como ficou claro no excessivo rigor adotado na individualiza��o da pena. E para a opini�o p�blica e a imprensa em geral, essa quest�o da dimens�o da opera��o de socorro sempre apareceu como um elemento perturbador na avalia��o do caso. Por isso � conveniente que se coloque sob adequada perspectiva a quest�o dos custos operacionais da atua��o do Banco Central na defesa da estabilidade econ�mica e financeira.

 

Para isso, consideremos os tr�s seguintes fatos:

Fato 1. At� o dia 12 de janeiro de 1999, v�spera da introdu��o do novo regime da banda cambial end�gena, o Banco Central do Brasil tinha sistematicamente vendido contratos de d�lar futuro na BM&F, tendo como contraparte bancos privados e com o objetivo de manter a estabilidade do sistema financeiro nacional e seu regular funcionamento. Desde o final de 1997 a economia brasileira navegava em �guas turbulentas no seu relacionamento com o sistema financeiro internacional, devido �s sucessivas crises da �sia e da R�ssia e ao regime de c�mbio fixo ent�o vigente. Havia a percep��o de que o Brasil poderia ser a pr�xima v�tima de um colapso cambial, o que deixava particularmente ansiosos os detentores de d�vidas denominadas em d�lar. Para acalmar o mercado, mantendo seu regular funcionamento, a Autoridade Monet�ria oferecia contratos de d�lares futuros como instrumento de prote��o para o risco cambial. No final do dia 12 de janeiro a posi��o vendida de d�lares futuros havia alcan�ado o volume significativo de 81.200 contratos.

 

Devido � evolu��o posterior do mercado cambial, primeiro com a introdu��o do novo regime da banda end�gena (em 13 de janeiro) e depois com a livre flutua��o da cota��o do d�lar (a partir de 18 de janeiro), essas opera��es produziram um custo operacional de R$ 4,984 bilh�es(isto �, quatro bilh�es e 984 milh�es de reais).Em seubalan�o anual de 1999 (dispon�vel em http://www.bcb.gov.br/?BOLETIM1999 , Ap�ndice) o Banco Central do Brasil registrou um preju�zo total no ano de R$ 13,041 bilh�es (isto �, treze bilh�es e 41 milh�es de reais). O custo com as opera��es de venda de d�lares futuros a bancos privados corresponderam a 38% desse preju�zo total.

 

Fato 2. Em 14 de janeiro de 1999 a diretoria do Banco Central do Brasil decidiu vender contratos de d�lar futuro na BM&F, tendo como contraparte dois bancos privados (Marka e FonteCindam), com o objetivo de manter a estabilidade do sistema financeiro nacional e seu regular funcionamento. Vivia-se um delicad�ssimo momento de transi��o do regime cambial, com grandes riscos para a economia brasileira.Apesar de sua atipicidade, decorr�ncia inevit�vel das condi��es excepcionais em que se encontrava o mercado, as opera��es foram realizadas com pre�os superiores � cota��o do dia do d�lar futuro na BM&F (como demonstrado no item 2.3 das nossas Alega��es Finais e ao contr�rio do que se afirmou repetidamente na impressa e na pr�pria CPI do Sistema Financeiro).

 

Devido � evolu��o posterior do mercado cambial, fortemente determinada pela implanta��o do regime de livre flutua��o da cota��o do d�lar, as opera��es Marka e FonteCindamproduziram um custo operacional de R$ 1,566 bilh�es (isto �, um bilh�o e 566 milh�es de reais). Este custo correspondeu a 12% do preju�zo total de R$ 13,041 bilh�es, registrado pelo Banco Central do Brasil em 1999.

 

Fato 3. A partir de mar�o de 2002 o Banco Central do Brasil passou a assumir posi��es vendedoras em contratos de swap cambial na BM&F (que s�o essencialmente equivalentes a contratos de venda de d�lar futuro), tendo como contraparte bancos privados e com o objetivo de manter a estabilidade do sistema financeiro nacional e seu regular funcionamento. Vivia-se um momento delicado para a economia brasileira devido � elei��o presidencial de outubro de 2002. As pesquisas de inten��o de votos sugeriam a possibilidade real de vit�ria do candidato do PT, possibilidade esta que era vista por muitos como s�ria amea�a � estabilidade econ�mica e financeira do pa�s.

 

Devido � evolu��o posterior do mercado cambial, com a cota��o do d�lar subindo de R$ 2,34 em mar�o de 2002 para R$ 3,62 em dezembro do mesmo ano (uma alta de 56%), aquelas opera��es de swap produziram um custo de R$ 14,189 bilh�es (isto �, quatorze bilh�es e 189 milh�es de reais), cerca de nove vezes superior ao custo das opera��es com os bancos Marka e FonteCindam. Em seubalan�o anual (dispon�vel em http://www.bcb.gov.br/?BOLETIM2002, Ap�ndice) o Banco Central do Brasil registrou um preju�zo total no ano de R$ 17,193 bilh�es (isto �, dezessete bilh�es e 193 milh�es de reais).

 

Como se comparam esses tr�s fatos? Ao que consta os enormes custos operacionais resultantes das opera��es de swap cambial de 2002 nunca foram contestadas judicialmente ou mesmo no Congresso Nacional. O mesmo vale para o custo operacional resultante da posi��o vendida de d�lares futuros assumida at� 12 de janeiro, antes da mudan�a no regime cambial. Como o paralelismo entre as tr�s situa��es � evidente, h� que se perguntar se faz sentido considerar apenas o custo operacional das opera��es de 1999 com os bancos Marka e FonteCindam como peculato?

 

Obviamente a distin��o n�o faz sentido! Na realidade nos tr�s casos os custos operacionais foram resultado do impacto de condi��es adversas do mercado sobre opera��es do Banco Central, que atuava dentro de sua atribui��o legal de garantir a estabilidade do sistema financeiro nacional e seu regular funcionamento.

Custos operacionais de atua��es do Banco Central devem sempre ser avaliados num contexto mais amplo que contemple todo seu impacto sobre a economia. Por exemplo, ao incorrer em determinado custo operacional, com desembolso de dinheiro p�blico, o Banco Central pode simplesmente estar evitando uma evolu��o catastr�fica dos mercados financeiros.

 

Outras vezes o benef�cio da atua��o do Banco Central n�o tem express�o pecuni�ria �bvia ainda que esteja presente no julgamento da diretoria da autarquia. Foi o que parece ter acontecido em 2002 quando a diretoria provavelmente avaliou que a instabilidade cambial que ocorreria caso a autarquia se recusasse a atender � enorme demanda por swaps cambiais existente no mercado teria conseq��ncias suficientemente graves sobre a economia nacional e sobre o sistema financeiro para justificar o risco do preju�zo nas opera��es com swaps.

 

Na realidade ao avaliar a atua��o do Banco Central em casos como esses � �til fazer uma analogia com a atua��o de um m�dico no tratamento de um paciente com doen�a grave. O m�dico acredita que existe risco real de vida e prescreve uma terapia com efeitos colaterais. O paciente escapa da morte, mas sofre o desconforto dos efeitos colaterais.

 

�������� Naturalmente, n�o faz sentido comparar a situa��o do paciente ap�s o tratamento, ainda sofrendo os efeitos colaterais, com o que seria sua situa��o com sa�de plena. O correto � comparar a situa��o do paciente p�s-tratamento com sua situa��o em caso de morte.

 

Em situa��es de grave risco para a economia nacional, como ocorreu em 1999 e 2002, o Banco Central atua como o m�dico que precisa evitar o dano maior de uma grave instabilidade (como ocorreu, por exemplo, na Argentina ou em v�rios pa�ses asi�ticos) mesmo que sua atua��o possa produzir um custo operacional,como efeito colateral. Em ambos os casos a decis�o de agir resulta de um julgamento subjetivo do ator principal, num caso o m�dico, no outra a diretoria colegiada do Banco Central. E a avalia��o desse custo deve ser feita levando em conta os potenciais preju�zos da situa��o de dano maior que se evitou com a decis�o de agir.

 

Da mesma forma como n�o faria sentido processar o m�dico pelos efeitos colaterais de uma terapia de sucesso, n�o faz sentido processar a diretoria do Banco Central do Brasil por peculato devido ao efeito colateral representado pelos custos operacionais da mudan�a do regime cambial em 1999. Ali�s, no Brasil essa delicada e complexa transforma��o do mercado cambial foi surpreendentemente benigna, sem a crise financeira ou a grave recess�o econ�mica que se viu em todos os outros pa�ses emergentes que passaram por experi�ncia semelhante.

 

Defesa Moral de Francisco Lopes

 

Durante todo o processo e em suas alega��es finais o MP adotou a estrat�gia de procurar denegrir a imagem do ora apelante, Francisco Lopes, atrav�s de insinua��es, suspeitas e intrigas. Essa estrat�gia foi semelhante � adotada por v�rios pol�ticos na CPI do sistema financeiro, por motivos �bvios, e por parte da imprensa sensacionalista, com a qual o MP parece ter desenvolvido intima colabora��o ao longo do processo. Em suas alega��es finais a defesa, que tinha elevada considera��o pelo alto n�vel de qualifica��o e racionalidade da MMa. Ju�za, tomou a decis�o de manter a argumenta��o num n�vel exclusivamente t�cnico, evitando ingressar nessa seara obscura da intriga pessoal e da insinua��o mesquinha. Surpreendentemente, por�m, a senten�a acabou por acolher todo esse material f�tido:

�O que ser�, pois, toda esta teia de ind�cios capaz de demonstrar? ...Sem d�vida um acordo de vontades, um ajuste entre Lopes, Bragan�a e Cacciola que permitiu a concretiza��o do peculato descrito nos itens anteriores�(fls. 401).

�� O fato de as intrigas n�o terem alcan�ado for�a suficiente para convencer a MMa. Ju�za a condenar os diretores por corrup��o, n�o significa que n�o tenham tido no corpo de sua senten�a o papel estrat�gico de tentar demonstrar a plausibilidade do peculato em fun��o da suposta defici�ncia de car�ter dos r�us. De fato esses supostos ind�cios terminaram assumindo o car�ter de fatos e de prova:

 

�Enfim, n�o h� prova da exist�ncia aut�noma de corrup��o, tal qual descrita na den�ncia, mas apenas de um acordo pr�vio entre Bragan�a, Lopes e Cacciola para a concretiza��o do desvio de dinheiro p�blico atrav�s da il�cita opera��o j� analisada� [nosso grifo] (fls. 402 ST).

�No item 7 mencionei toda a prova colhida que aponta, claramente, para um ajuste de vontades entre Bragan�a, Lopes e Cacciola. Ali chamei aten��o ...para evid�ncias irrefut�veis de que houve um acordo de vontades para a concess�o do aux�lio...� (fls. 480 ST) [nosso grifo]

�...toda a gama de rela��es suspeitas entre Lopes, os irm�os Bragan�a e Cacciola, objeto de an�lise demorada no item 7, se n�o s�o aptas a comprovar o crime de corrup��o, sem d�vida corroboram a id�ia de um favorecimento il�cito nas opera��es questionadas, a fim de atender a interesses escusos, quais sejam a transfer�ncias de preju�zos aos cofres p�blicos�. (fls. 516 ST)

 

A senten�a parece esposar uma ex�tica teoria de �imoralidade por cont�gio�.Francisco Lopes tinha um amigo de inf�ncia, Luiz Bragan�a, que na idade adulta desenvolveu uma personalidade peculiar, algo exc�ntrica, sendo chegado a bebidas alco�licas, conhecido por suas posturas arrogantes e com uma hist�ria de relacionamentos pessoais e profissionais n�o muito est�veis. Apesar disso continuou a ter relacionamento distante com Lopes, de quem, entretanto, nunca foi s�cio como erradamente se divulgou pela imprensa. O la�o de amizade constru�do na adolesc�ncia n�o se rompeu totalmente e em determinado momento Lopes aceitou ser padrinho de sua filha.

 

Segundo os autos, Bragan�a teve relacionamento profissional, de natureza espor�dica, com Cacciola. Em janeiro de 1999 foi declaradamente convocado para ir a Bras�lia tentar influenciar a decis�o de Francisco Lopes, no que foi recha�ado de pronto com justa indigna��o.

 

Mas como sabemos, � luz dos fatos agora conhecidos, que Cacciola tem car�ter duvidoso, conclui-se que Bragan�a tamb�m deve ter sido contaminado do mesmo defeito e que por sua vez contaminou Francisco Lopes. � uma nova e ex�tica teoria de �falta de car�ter por cont�gio�.

Na realidade, a senten�a n�o apenas acolhe a suposta �teia de ind�cios� que teria sido levantada nos autos, como efetivamente contribui para transform�-la numa teia de intrigas ao afirmar, por exemplo, repetidamente, que uma c�pia de um bilhete de Cacciola �foi apreendida na resid�ncia de Lopes mais de tr�s meses depois dos fatos.�

�C�pia deste mesmo bilhete foi encontrada em posterior busca na resid�ncia de Francisco Lopes (ver apenso 23, fls 110) ��� (fls. 391)

�Mais estranho � verificar que, ao contr�rio da tese de Lopes e Pundek, que pretendem enfatizar a desimport�ncia do bilhete, c�pia dele foi apreendida na resid�ncia de Lopes mais de tr�s meses depois dos fatos(!)��� (fls.400)

 

Essa afirma��o � falsa(!!) como se pode verificar no apenso 23, fls. 110, onde constam alguns outros bilhetes que ficaram �famosos� nesse processo (como o de S�rgio Bragan�a para Lopes e o de F�bio para Ci�a), mas n�o existe essa suposta c�pia do bilhete de Cacciola a Lopes, que teria sido aprendida na resid�ncia deste �ltimo. A �nica via conhecida de tal bilhete foi a apreendida na casa de Cacciola.

A pr�pria senten�a, diga-se, confirma isso quando registra:

�A estes dados deve ser acrescido o bilhete escrito por Cacciola a Lopes, apreendido na resid�ncia do primeiro, que segundo ele teria sido confeccionado no pr�dio do Banco Central, mas que sem d�vida tem conte�do bastante suspeito� (fls. 400).

 

De fato, como Lopes e Pundek afirmaram em ju�zo, o original do bilhete foi destru�do imediatamente ap�s ser recebido no gabinete de Lopes em Bras�lia. Se fosse diferente ter�amos aqui um caso de duplo perj�rio, mas a verdade � que a afirma��o falsa de que o bilhete de Cacciola foi apreendido na resid�ncia de Lopes n�o passa de uma contribui��o da senten�a para a suposta teia de ind�cios que, como j� dissemos, parece mais uma teia de intrigas e com o evidente prop�sito de dar plausibilidade � hip�tese de peculato.

 

�������� Ali�s, � importante registrar que neste processo o MP tamb�m cometeu o �ato falho� de apresentar uma afirma��o falsa em benef�cio da sua tese. Como se ver� mais adiante, o MP afirmou que o citado bilhete foi recebido por Lopes na sede do Banco Central em Bras�lia no dia 13 de janeiro quando a data correta � 14 de janeiro, como confirmado, por exemplo, pelo depoimento do pr�prio Cacciola junto � Pol�cia Federal e pelo relat�rio final da CPI do Sistema Financeiro

.

Para desfazer essa teia de intrigas, que visa obviamente a denegrir o car�ter de Francisco Lopes para dar plausibilidade � tese de peculato, teremos que nos dedicar � tarefa tediosa de destru�-la fio por fio, o que pretendemos fazer em seis se��es:

1)     O Bilhete de Cacciola a Lopes

2)     Evid�ncias de Informa��es Privilegiadas

3)     O Bilhete de Sergio Bragan�a a Lopes.

4)     Relacionamento entre Lopes e a Macrom�trica

5)     A Mem�ria das Atua��es na BM&F

6)     Outras evid�ncias de relacionamento Lopes-Cacciola

(Observa��o: no que se segue pag 35 MP indica pagina 35 das alega��es finais do MP e pag 35 ST indica pagina 35 da senten�a)

 

1)     O Bilhete de Cacciola a Lopes

�������� A tese do MP, acolhida pela senten�a, � que o Sr Cacciola pagava por uma informa��o privilegiada, que no momento crucial em que foi testada pela realidade se revelou errada. Quando percebeu o erro que tinha cometido no mercado futuro de d�lares, o banqueiro rumou para Bras�lia com os supostos �intermedi�rios�, Rubens Novaes e Luiz Bragan�a, e

������������������ �...tendo em vista que ainda n�o havia conseguido se entrevistar pessoalmente com FRANCISCO LOPES, como era seu desejo inicial, no final do dia 13 de janeiro, encaminha a este, por interm�dio de ALEXANDRE PUNDEK, o bilhete...�. [grifo nosso](fls. 35 MP)

 

O bilhete, no qual o Sr Cacciola escreveu:

�Francisco, preciso muito da tua ajuda, melhor ainda se pudesse falar 5 minutos com voc�. � muito importante para mim, para voc� e para o Pa�s... �

 

Segundo o MP seria mais uma evid�ncia para a teoria de corrup��o e peculato. Ele mostraria que:

�SALVATORE CACCIOLA j� conhecia FRANCISCO LOPES, tanto � que tutela e o chama pelo primeiro nome; CACCIOLA sabia que seria ajudado; ... a taxa do d�lar a ser repassada ao BANCO CENTRAL n�o agradava...; o desfecho da situa��o foi dado pelo pr�prio Cacciola que informa nessa correspond�ncia que deixaria o mercado mas permaneceria com uma empresa n�o financeira, ou seja, j� sabia que n�o sofreria o processo de liquida��o extrajudicial....� ( fls. 35 MP)

 

A senten�a complementa essa teoria sobre o papel do bilhete no �ajuste de vontades� que teria permitido a concretiza��o do peculato:

�Nele Cacciola n�o s� pede uma cota��o de d�lar que, como se sabe, permitiria sobra de patrim�nio liquido ap�s a opera��o, como tamb�m alude a um �esquecer tudo�, sublinhado, que a qualquer leitor soa ou como uma amea�a impl�cita, como quer o MPF, ou pelo menos como uma cumplicidade quanto a algum fato revelador, ainda n�o esclarecido�. (p�g 400 ST)

 

Raras vezes se viu tanta import�ncia ser atribu�da a um texto sublinhado de uma c�pia xerox de um bilhete manuscrito. Como se v� nos autos, Lopes e Pundek n�o demonstraram ter dado maior import�ncia a esse suposto sublinhado, que a rigor nem se sabe mesmo se existia no bilhete original. Tudo isso n�o passa de uma fantasiosa constru��o de supostos ind�cios de cumplicidades a favor das teses de corrup��o e peculato.

 

O fato que os autos demonstraram ad nauseum � que jamais existiu qualquer relacionamento entre Francisco Lopes e Alberto Cacciola, nem mesmo qualquer encontro casual, o que foi afirmado por ambos em seus depoimentos em ju�zo e junto � Pol�cia Federal. � o caso de perguntar por que, a despeito de quebras de sigilos banc�rios e telef�nicos, buscas em resid�ncias e escrit�rios, e todo um longo esfor�o de investiga��o da competente autoridade policial, nunca surgiu qualquer evid�ncia para essa afirma��o gratuita do MP de que �SALVATORE CACCIOLA j� conhecia FRANCISCO LOPES. Naturalmente � prov�vel que o Sr. Cacciola j� houvesse visto Lopes na televis�o ou em alguma cerim�nia oficial, certamente j� teria lido alguma de suas entrevistas na imprensa. Apenas nesse sentido pode-se afirmar que Cacciola j� �conhecia� Lopes, mas jamais com a conota��o que o MP pretende usar o termo, na sua tentativa de estabelecer um vinculo de influ�ncia e �tutela�.

 

N�o h� d�vida que o bilhete reflete bem a peculiar personalidade de Cacciola, t�o claramente revelada ao longo do presente processo, em particular nas grava��es telef�nicas transcritas em diversos pontos da pe�a acusat�ria (fls. 209-212 MP, ou fls. 279-302 MP). Parece ser homem arrogante, agressivo, e truculento, e tamb�m pouco atento �s praticas usuais do relacionamento social civilizado. Tudo indica que n�o parece medir limites ao perseguir seus interesses. A hist�ria de vida de Cacciola, inclusive como relatada por ele mesmo em sua autobiografia Eu Alberto Cacciola Confesso (Editora Record 2001) mostra que este senhor, um �self-made man� de ineg�vel animus empreendedor, nunca se importou em ser inconveniente ou intruso na busca de seus objetivos de neg�cios.

 

Certamente ao referir-se ao Presidente do Banco Central, que n�o conhecia pessoalmente, como �Francisco�, Cacciola mostrou uma informalidade descabida, no que, ali�s, teria sido repreendido naquela ocasi�o pela advogada Cinthia Costa de Souza, que segundo o depoimento de Cacciola � Pol�cia Federal, �disse que o declarante n�o devia ter mandado nenhum bilhete� (fls. 15). A advogada provavelmente ficou preocupada com a possibilidade do bilhete criar um clima hostil junto � dire��o do BACEN. Talvez Cacciola pretendesse apenas acreditar que seu relacionamento com o Luiz Bragan�a, este sim amigo de inf�ncia de Lopes, fosse suficiente para qualific�-lo como alguma esp�cie de amigo indireto (amigo do amigo?), de quem n�o � descabido receber um pedido informal de ajuda num momento dif�cil. Mas na realidade, se queria sugerir algum tipo de intimidade, Cacciola usou o termo errado: qualquer amigo de Lopes teria endere�ado o bilhete a �Chico�..

 

Para o MP, por�m, o bilhete n�o foi apenas uma manifesta��o canhestra de um banqueiro sob stress, que n�o parece saber colocar limites em suas pretens�es. Para o MP o bilhete seria a prova de um esquema conspirat�rio visando ao peculato, j� que no dia 13 de janeiro, antes mesmo da delibera��o da diretoria do BACEN na manh� do dia 14 de janeiro, que foi posteriormente formalizada no voto BCB 006/99, Cacciola �j� sabia que n�o sofreria o processo de liquida��o extrajudicial�.

 

Na realidade, esta tese conspirat�ria do MP cai por terra quando se percebe que a pe�a acusat�ria comete um erro grotesco ao colocar o recebimento do bilhete por Francisco Lopes em 13 de janeiro, quando a data correta � 14 de janeiro. O erro de data torna o bilhete suspeito e abre espa�o para a interpreta��o falaciosa do MP.

 

Ao longo deste processo nunca houve motivo para d�vida quanto � data do bilhete, o que torna ainda mais surpreendente o erro (?) cometido pelo MP.

 

No depoimento de Cacciola junto � Pol�cia Federal, em 22/4/1999, foi registrado:

�...que apresentado ao declarante o bilhete publicado pela revista ISTO � . reconhece perfeitamente tal bilhete, podendo afirmar que efetivamente escreveu o mesmo, de seu pr�prio punho, no dia 14.01.99, entre 13h:00 e 14h:00, com o objetivo de entreg�-lo ao Presidente FRANCISCO LOPES� (fls. 15 ) [grifo nosso]

Ainda que n�o se possa ter certeza quanto ao hor�rio exato indicado por Cacciola neste depoimento, n�o � poss�vel imaginar que tenha se enganado na data.

 

O relat�rio final da CPI do Sistema Financeiro tamb�m descreve o que se passou naquele dia: (p�g. 90)

�Naquela quinta-feira, 14 de janeiro, o Presidente do Banco Marka, pretendendo ser atendido pela Diretoria do Banco Central, escreveu um bilhete para o Presidente da Autarquia. Esse bilhete, entregue ao Sr Alexandre Pundek, chegou a ser lido pelo destinat�rio, o Sr. Francisco Lopes, e recebeu grande destaque junto � imprensa, em virtude da familiaridade com que era tratado o Presidente da Autoridade Monet�ria.�

 

Observe-se, portanto, que o bilhete de Cacciola a Francisco Lopes n�o antecedeu as delibera��es da diretoria do BACEN visando a solucionar a amea�a � economia nacional colocada pelas grandes posi��es vendidas no mercado de d�lar futuro dos bancos Marka e FonteCindam naquele contexto de transi��o do regime cambial. O bilhete foi escrito e entregue a uma das secret�rias de Francisco Lopes, que o repassou ao consultor Alexandre Pundek, na tarde do dia 14 de janeiro. Naquele momento o Sr Cacciola j� estava ciente que a diretoria do BACEN buscava uma solu��o n�o-traum�tica para o problema, pois havia solicitado aos funcion�rios da fiscaliza��o que se encontravam na sede do banco Marka no Rio de Janeiro que levantassem os subs�dios necess�rios a uma decis�o.

 

A pe�a acusat�ria descreve a reuni�o ocorrida na manh� do dia 14 de janeiro: (fls. 5 MP)

�A delibera��o sobre a ajuda a essas institui��es financeiras foi adotada na pr�pria manh� do dia 14 de janeiro, ap�s o caf� da manh�, pelos Diretores CL�UDIO NESS MAUCH E DEM�STHENES MADUREIRA e pelo ent�o Presidente do BANCO CENTRAL FRANCISCO LOPES, auxiliados pelos servidores do BACEN TEREZA GROSSI, Chefe do Departamento de Fiscaliza��o e ALEXANDRE PUNDEK, consultor do Presidente do BANCO CENTRAL�

 

E algumas das provid�ncias que se seguiram, conforme relatado pelo Sr Ant�nio Carlos Magalh�es, funcion�rio do Departamento de Fiscaliza��o do BACEN: (p�g 43 MP)

�... por volta das 14:30 horas do dia 14.01.99, quando estavam no Banco MARKA, receberam uma liga��o da Dra. TEREZA TOGNI de Bras�lia/DF, com a determina��o espec�fica de verificar qual o n�mero de contratos e qual a taxa que deveria ser aplicada para zerar o patrim�nio l�quido do Banco Marka...�

 

Fica claro, portanto, que o bilhete nada mais foi do que uma tentativa bizarra de tentar influenciar a decis�o da diretoria do BACEN no sentido de que fosse realizada a opera��o com o banco Marka ao n�vel da cota��o que vigorava no mercado futuro da BM&F naquele dia, ou seja, a 1,25 reais por d�lar. A rigor, o BACEN poderia ter realizado a opera��o com essa taxa pretendida pelo banqueiro sem que pudesse ser acusado de estar operando a pre�o abaixo da cota��o no mercado futuro da BM&F. Mas se Cacciola julgava que tinha algum tipo de poder sobre o presidente da Autarquia para conseguir esse objetivo deve ter se decepcionado: nem conseguiu ser recebido, para �falar 5 minutos�, nem conseguiu o pre�o que desejava. A opera��o foi realizada a 1,275 reais por d�lar, que foi exatamente a taxa determinada pela equipe da fiscaliza��o do BACEN como adequada para zerar o patrim�nio l�quido do banco. Ou seja, fazendo os seus propriet�rios arcarem com o preju�zo at� o limite m�ximo compat�vel, dentro da estrutura legal existente, com a n�o ocorr�ncia de inadimpl�ncia na BM&F.

 

� o caso de se perguntar: se havia a cumplicidade e o ajuste pr�vio de vontades, por que Lopes recusou todos os pedidos de Cacciola, inclusive o pedido singelo de �falar por 5 minutos�, que segundo o bilhete seria muito importante n�o apenas para os supostos c�mplices como para o pa�s? Se um pedido de falar por 5 minutos n�o se costuma recusar a um amigo em necessidade, por que teria sido recusado a um suposto c�mplice?

 

2) Evid�ncias de Informa��es Privilegiadas

A senten�a afirma que

�Alguns ind�cios levantam razo�vel suspeita sobre a exist�ncia de fornecimento de informa��es privilegiadas a Cacciola passadas por Lopes no ano de 1998� (fls. 398 ST)

 

Desta forma a senten�a acolhe um elemento chave da pe�a acusat�ria que � a tese de que os bancos Marka e FonteCindam tiveram informa��o privilegiada a respeito da mudan�a de regime cambial ocorrida em janeiro de 1999.

O MP afirma �s fls. 27 MP:

�O fato � que ... a mudan�a da pol�tica cambial no dia 13 ocorreu de forma inesperada, outrossim teria sido feita na pr�pria segunda-feira, o que impediu que os BANCOS MARKA E FONTECINDAM fossem avisados a tempo e revertessem suas posi��es.

Por outro lado, n�o menos certo que se os BANCOS MARKA E FONTECINDAM n�o tivessem informa��es que lhes garantiam seguran�a para se posicionarem em contratos vendidos na BM&F, teriam seguido todos os demais grandes investidores do pa�s, os quais reverteram suas posi��es entre os dias 10 e 12 daquele m�s, ou mesmo refor�aram suas apostas na desvaloriza��o do real, j� que seus controladores eram pessoas experientes no mercado e n�o se arriscariam tanto, exceto se tivessem plenamente seguros de que, naquela ocasi�o espec�fica, n�o haveria a mudan�a cambial�

 

����������� Na realidade a tese tem como ponto de partida certas not�cias publicadas pela imprensa, todas da lavra do Sr Jos� Policarpo de Souza Junior, um jornalista que, inexplicavelmente, demonstra inusitado interesse nos assuntos deste processo. As not�cias d�o conta de que Cacciola teria dito a diversos interlocutores que �tinha informa��es de dentro do BANCO CENTRAL de que a banda cambial s� ia come�ar a ser alargada em meados de fevereiro� (p�g 7 MP).

 

Cacciola em seu depoimento na Pol�cia Federal em 22/4/99 negou firmemente a veracidade da not�cia, afirmando que:

�...nega que tenha proferido a frase publicada nas reportagens que ensejaram a instaura��o deste inqu�rito, do seguinte teor: �SUSTENTOU APOSTA NO REAL POR QUE TINHA INFORMA��ES DENTRO DO BC SEGUNDO AS QUAIS AS MUDAN�AS CAMBIAIS N�O SERIAM FEITAS ANTES DO M�S DE FEVEREIRO�, sendo que as raz�es que levaram o declarante a agir contra todos os boatos do mercado financeiro quanto � desvaloriza��o da moeda se prendem ao cr�dito que deu na equipe econ�mica e no Presidente da Rep�blica, ao Memorando de Inten��es assinado com o Fundo Monet�rio no dia 08.12.98, as opini�es das empresas de consultoria mais importantes do Pa�s...� (fls. 5 MP)

 

N�o obstante o desmentido de Cacciola, as not�cias propaladas pela imprensa motivaram os depoimentos em ju�zo de alguns investidores que tiveram grandes preju�zos em suas aplica��es nos fundos do banco Marka, e tamb�m do jornalista Policarpo, dos quais o MP conclui que (fls. 4 MP):

 

�...SALVATORE ALBERTO CACCIOLA afirmou aos investidores acima referidos que tinha informa��es �do� BANCO CENTRAL de que a banda cambial apenas seria alterada em meados de fevereiro, sendo certo que LEON SAYEG, em depoimento prestado � Autoridade Policial confirmou a express�o �de dentro do BANCO CENTRAL�

 

O sempre laborioso jornalista Policarpo Junior, que foi ouvido duas vezes na instru��o processual, elaborou em detalhe a tese afirmando que com base em informa��es de sua fonte, �um banqueiro ligado a um grupo estrangeiro�: (fls. 12 MP)

 

�...o Sr FRANCISCO LOPES que seria a fonte das informa��es sobre as mudan�as cambiais n�o teve tempo de informar aos bancos referidos, pois estava prevista a mudan�a cambial somente para fevereiro, e devido �s circunst�ncias no momento a mudan�a foi feita de maneira repentina sem tempo para avisar os interessados�

 

Ora, � at� poss�vel entender que Cacciola, apesar de afirmar o contr�rio, tenha de fato recorrido a essa teoria mirabolante, �de que a banda cambial s� ia come�ar a ser alargada em meados de fevereiro�, para se justificar diante de alguns de seus grandes investidores pelos preju�zos resultantes da posi��o de alto risco assumida pelo banco Marka no mercado futuro de d�lar. Afinal a especula��o, como todo tipo de jogo de azar � uma atividade que produz emo��es fortemente assim�tricas: euforia e agrad�vel sensa��o de auto-estima quando d� certo; depress�o, irrita��o e inconformismo quando d� errado. Esses investidores de maior porte do banco Marka, que no passado lucraram junto com Cacciola quando as apostas de alto risco nos mercados futuros produziram bons resultados, deveriam estar preparados para a eventualidade de um erro de grandes propor��es na atividade especulativa que financiavam. Na realidade, por�m, mesmo investidores com perfil especulativo costumam sentir-se inconformados quando perdem, e Cacciola pode ter apenas tentado acalm�-los com a desculpa esfarrapada � e como se ver� em seguida, altamente implaus�vel � de que tinha informa��o privilegiada de dentro do Banco Central. O que surpreende � ter o MP encampado essa teoria mirabolante, o que o levou a sustentar na pe�a acusat�ria um ingl�rio conflito com os princ�pios mais b�sicos da l�gica.

 

Sen�o vejamos. O MP reconhece que os controladores dos bancos em pauta eram �pessoas experientes no mercado�, coisa que naturalmente n�o se pode dizer sobre o pr�prio MP. E esta mesma falta de experi�ncia no mercado � que leva o MP a concluir incorretamente que esses experientes controladores �n�o se arriscariam tanto, exceto se tivessem plenamente seguros de que, naquela ocasi�o espec�fica, n�o haveria a mudan�a cambial�. Ora, nenhum operador de mercado financeiro, por mais inexperiente que fosse, tomaria uma grande posi��o vendida em janeiro se tivesse a informa��o privilegiada de que haveria uma desvaloriza��o cambial em �meados de fevereiro�. A raz�o � que essa informa��o, que teria sido transmitida de modo privilegiado aos bancos Marka e FonteCindam e que, segundo o MP, dava �a total seguran�a de que a mudan�a ocorreria apenas a partir do m�s de fevereiro daquele ano� (fls. 29), poderia facilmente �vazar� para outros participantes menos privilegiados do mercado, gerando forte eleva��o da cota��o do d�lar futuro, que como se sabe n�o era tabelada pelo Banco Central. Al�m disso, a percep��o de uma desvaloriza��o iminente poderia provocar uma corrida no mercado de d�lar � vista, provocando perdas de reservas internacionais que poderiam inclusive terminar for�ando a antecipa��o da medida.

 

A pe�a acusat�ria corretamente descreve como o vazamento de uma iminente desvaloriza��o cambial teria o poder de desestabilizar o mercado: (p�g. 13 MP)

�...em hip�tese alguma, a Autoridade Monet�ria poderia antecipar ao mercado ou a qualquer investidor espec�fico quais seriam seus pr�ximos passos na condu��o da pol�tica econ�mica, sendo que uma simples informa��o sobre a varia��o cambial, naquele momento, proporcionaria aos especuladores ganhos expressivos no mercado de c�mbio, ...com a conseq�ente perda de reservas� (grifo nosso).

 

Na realidade qualquer especulador com um m�nimo de experi�ncia de mercado, que tivesse a informa��o segura de que o governo planejava uma desvaloriza��o cambial em meados de fevereiro, tomaria uma posi��o comprada e n�o vendida em janeiro. Desta forma ele estaria protegido em rela��o ao risco de um eventual vazamento ou da antecipa��o da medida para janeiro, pagando um custo relativamente pequeno por isso e que seria mais do que compensando se sua informa��o se revelasse correta e a desvaloriza��o de fato s� ocorresse em meados de fevereiro. N�o faria sentido assumir o risco car�ssimo de ser apanhado no contra-p� em uma posi��o vendida em janeiro, quando podia ter certeza que uma posi��o comprada seria ganhadora, ou em janeiro ou em fevereiro.

 

Se Cacciola, homem com larga experi�ncia de mercado, tendo informa��o privilegiada e segura de que haveria uma desvaloriza��o cambial em meados de fevereiro, decidiu em janeiro assumir uma posi��o vendida no mercado de d�lar futuro da ordem de vinte vezes o patrim�nio l�quido de seu banco, parece claro que estamos diante de um caso inequ�voco de insanidade mental.

 

Mas o embate com a l�gica na argumenta��o do MP vai ainda mais longe. Segundo a defini��o apresentada �s fls. 24 da pe�a acusat�ria, �inside information � uma informa��o privilegiada que pode proporcionar ganhos excepcionais ao investidor�.

 

Este teria sido o primeiro caso na hist�ria da humanidade em que um esquema de venda de inside information, segundo o MP sustentado por �promessa de vantagem il�cita�, teria produzido vultuosos preju�zos para os seus benefici�rios.

 

O artif�cio utilizado para justificar este flagrante ataque � l�gica, que parece ter sido inventado pelo jornalista Policarpo Junior e encampando pelo MP e pela senten�a, � que �o Sr Francisco Lopes...n�o teve tempo de informar aos bancos�. Mas a pe�a acusat�ria tr�s ampla evid�ncia de que o artif�cio n�o se sustenta. Veja-se as seguintes informa��es apresentadas �s fls. 31 e 32 das alega��es finais do MP, extra�das de Relat�rio de Auditoria do TCU:

�...Desde outubro de 1998, o Sr Francisco Lopes... vinha trabalhando numa alternativa de pol�tica cambial do Pa�s, vindo posteriormente a contar com o aux�lio do...Sr Dem�sthenes Madureira (...)

38. De acordo com depoimento do Sr Gustavo Franco...na noite do dia 08 de janeiro de 1999, sexta-feira, o Presidente da Rep�blica teria comunicado a ele a decis�o de sua substitui��o na Presid�ncia do BANCO CENTRAL...

(...)

39. No mesmo dia o Presidente da Rep�blica comunicara ao Sr Francisco Lopes que este assumiria a Presid�ncia do BACEN:

(...)

40. Durante o final de semana, mais especificamente no dia 10 de janeiro, domingo, o Sr Francisco Lopes reuniu-se com o Ministro Pedro Malan, no Rio de Janeiro, para tratar da mudan�a do regime cambial. J� no dia 11 (segunda-feira), � noite, participa de uma reuni�o no Pal�cio do Planalto, na qual estavam presentes o Presidente da Rep�blica Fernando Henrique Cardoso, o Ministro Pedro Malan e o ent�o Ministro da Casa Civil, Cl�vis Carvalho, ocasi�o em que ficou decidido que a mudan�a no regime cambial brasileiro seria implantada no dia seguinte, mediante o alargamento da faixa de flutua��o do c�mbio.

41. Na manh� do dia 12 de janeiro, ter�a-feira, o Sr. Francisco Lopes, j� na qualidade de Presidente indicado, convoca o Sr. Dem�sthenes Madureira, e este � ent�o Chefe do DEPIN, Sra. Maria do Socorro Costa de Carvalho, para uma reuni�o na qual � oficialmente comunicada a altera��o na pol�tica cambial.

 

Se Francisco Lopes j� trabalhava na mudan�a cambial desde outubro de 1998, e esta ficou decidida em reuni�o com o Presidente da Rep�blica na noite do dia 11 janeiro de 1999 e come�ou a ser preparada na manh� seguinte, para ser finalmente implantada na manh� do dia 13 de janeiro, como � poss�vel que n�o tenha tido tempo para avisar os bancos? Entre a noite do dia 11 e a manh� do dia 13 passaram-se mais de 24 horas, e n�o consta que o Sr Francisco Lopes as tenha passado em reclus�o incomunic�vel ou af�nico ou sob total perda de sentidos. Bastaria ter tomado um telefone qualquer e ligado para um dos �intermedi�rios� apontados pelo MP, como o Luiz Bragan�a, passando a informa��o, esta sim absolutamente segura, de que o regime cambial seria mudado em menos de 24 horas.

 

� interessante notar que se os bancos Marka e FonteCindam tivessem recebido essa informa��o privilegiada e, numa resposta l�gica, assumido com sinal invertido o mesmo volume de posi��es que assumiram nos mercados futuros, isto �, posi��es compradas ao inv�s de posi��es vendidas, teriam realizado ganho superior a 1,5 bilh�es de reais at� o finaldo m�s. Num passe de m�gica, dois pequenos bancos teriam se transformado em bancos de grande porte, com lugar de destaque dentro do sistema financeiro brasileiro. Tratava-se, realmente, de uma informa��o tremendamente valiosa!

 

Por incr�vel que pare�a a tese do MP � que houve sim vazamento de informa��o, produzindo lucros inacredit�veis para diversos especuladores, mas que o Francisco Lopes n�o foi capaz de acionar o seu suposto �esquema� para passar t�o valiosa informa��o a seus clientes. Veja-se o enorme absurdo consubstanciado nos seguintes trechos da pe�a acusat�ria:

(fls. 29 MP) Esta detalhada an�lise tamb�m evidenciou que, no dia 12 de janeiro, v�rios servidores do BANCO CENTRAL foram informados que, de fato, quem estava na Presid�ncia dessa institui��o era Francisco Lopes, o que possibilitou, seja pelo pr�prio vazamento de informa��es, seja pelo acompanhamento que os analistas vinham fazendo daquela situa��o, que os especuladores do mercado de d�lar futuro realizassem lucros inacredit�veis, como j� salientado, refor�ando suas apostas na desvaloriza��o do real, revertendo posi��es antes vendidas ou mesmo fazendo opera��es de grandes volumes apenas naqueles dias de janeiro de 1999.�

(fls. 28 MP) �...embora ciente de que assumiria a Presid�ncia do BANCO CENTRAL, FRANCISCO LOPES apenas foi informado da decis�o do Presidente da Rep�blica de alterar a sistem�tica de bandas na noite anterior � implementa��o dessa nova pol�tica, o que, de fato, o impediu de avisar previamente as institui��es que estavam acobertadas por suas informa��es anteriores.

 

Fica, portanto, demonstrado que as supostas �evid�ncias de informa��es privilegiadas�, que validariam a tese de peculato, e para o MP tamb�m a de corrup��o, na realidade n�o lhe d�o qualquer sustenta��o l�gica. Essas supostas evid�ncias de informa��o privilegiada na realidade s�o contradit�rias, e carecem de qualquer fundamento.

 

3) O Bilhete de Sergio Bragan�a a Lopes

�������� Na busca realizada na resid�ncia de Lopes foi encontrado um bilhete de autoria de Sergio Bragan�a, que supostamente indicava a exist�ncia de dep�sitos n�o declarados no exterior, o que deu ensejo � abertura do proc. no. 990048111-9 pelo crime de evas�o de divisas. Em novembro de 2000 a MMa. Ju�za decidiu pela exist�ncia de conex�o entre aquele processo e o atual.

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A senten�a decidiu, por�m, pela in�pcia da den�ncia concluindo que:

� ...o julgamento do m�rito � imposs�vel no presente feito, por absoluta imprecis�o do fato descrito na inicial, cujo ju�zo positivo de admissibilidade decorreu de manifesto equ�voco de minha parte�� (fls. 126 ST) [grifo nosso].

 

�������� Considerando que esse bilhete foi largamente utilizado pela imprensa e pelo MP no ataque moral a Francisco Lopes, � no m�nimo lament�vel que a Sra Ju�za tenha reconhecido apenas agora seu manifesto equ�voco em ter acolhido a den�ncia inicial. Mas na realidade o bilhete de S�rgio Bragan�a continuou a ter um papel sub-rept�cio na constru��o da senten�a de peculato.

 

�������� O bilhete � mencionado explicitamente apenas quando a senten�a afirma, ao caracterizar uma suposta �teia de ind�cios� para o peculato, que:

�...o v�nculo que Lopes mantinha de fato com a Macrom�trica, empresa por ele fundada, da qual nunca se afastou efetivamente, e que tinha como s�cio S�rgio Bragan�a, irm�o de Luiz Augusto Bragan�a e homem de sua inteira confian�a, como aponta a declara��o de vontade relativa aos d�lares no exterior� (p�g 398).

 

�������� Na realidade para estabelecer que existia um relacionamento de confian�a entre Sergio Bragan�a e Lopes bastava ter mencionado que eram s�cios; n�o era necess�rio usar essa prova emprestada de uma suposta declara��o de vontade relativa a quim�ricos d�lares no exterior.

O pior � que, ao reconhecer a in�pcia da den�ncia, a senten�a evitou entrar na discuss�o do m�rito da quest�o. Afinal � ou n�o o bilhete uma evid�ncia clara do crime de evas�o de divisas? De forma indireta e sub-rept�cia a MMa. Ju�za consigna na senten�a sua opini�o gratuita sobre essa quest�o quando, por meio de uma analogia, insinua a poss�vel equipara��o de Lopes a um �not�rio matador�:

 

�Refletindo sobre o presente caso. imaginei-me julgando um homic�dio, cuja den�ncia fizesse men��o a uma confiss�o por escrito, apreendida na resid�ncia do indiciado. Nela ele confessaria ter assassinado terceira pessoa em determinado ano, sem, por�m, declinar a identidade da v�tima ou outras circunst�ncias do crime. Ainda que admit�ssemos tratar-se de um not�rio matador, e que portanto a confiss�o pudesse parecer veross�mil, n�o haveria ainda, evidentemente, elementos para que se iniciasse uma a��o penal� (p�g. 125 ST) [grifo nosso].

 

Ou seja, a senten�a optou pela in�pcia da den�ncia em rela��o ao bilhete de Sergio Bragan�a, mas de forma sub-rept�cia o incluiu na teia de intrigas constru�da para denegrir a reputa��o moral de Lopes e chegar ao resultado da condena��o por crime de peculato. Dessa forma foram ignorados os argumentos de m�rito apresentados nas alega��es finais relativas a esse proc. no. 990048111-9, nas quais demonstramos claramente a real natureza do bilhete.Ali est� explicado que o bilhete foi apenas um instrumento informal de garantia de d�vida que s� teria validade em determinadas condi��es, as quais n�o se realizaram, e que o defendente esqueceu-se de o destruir conforme combinado com Sergio Bragan�a. Na realidade, o malsinado bilhete, para al�m de n�o representar dep�sito algum, jamais ganhou qualquer efic�cia negocial.

 

O ind�cio mais evidente da realidade desse fato (e cremos que aqui pela primeira vez estamos falando de um �ind�cio� e n�o de uma �intriga�) foi consignado no seguinte par�grafo das nossas alega��es finais do processo do bilhete:

�� sintom�tico o que ocorreu no dia da busca e apreens�o realizada na resid�ncia do defendente. Ap�s avisada pelo porteiro da chegada da pol�ciae do Minist�rio P�blico, a mulher do defendente, Sra. Aracy Pugliesi, ligou imediatamente par Bras�lia, informando-lhe o que estava acontecendo. O defendente disse-lhe para deix�-los entrar, pois n�o havia nada a temer. Se realmente o referido �bilhete� tivesse alguma import�ncia, especialmente a alegada pela Acusa��o, a Sra. Aracy, ap�s falar com o defendente, o teria destru�do. Na verdade tal procedimento poderia ter sido feito facilmente em decorr�ncia do lapso temporal existente entre a chegada do Minist�rio P�blico com a Pol�tica Federal e a efetiva entrada no im�vel� (p�g 9) [grifo no original].

 

�������� Cabe ainda assinalar que ao longo tanto do inqu�rito policial como do processo criminal foram realizadas amplas investiga��es sobre a evolu��o patrimonial de Francisco Lopes, n�o s� pela Receita Federal como tamb�m com o aux�lio de autoridades internacionais. Essas investiga��es n�o produziram qualquer ind�cio de sonega��o fiscal, de evas�o de divisas ou mesmo de gastos anormais que pudessem sinalizar algum enriquecimento injustificado.

 

4) Relacionamento entre Lopes e a Macrom�trica

�������� Para a senten�a (fls. 398 ST):

 

�Alguns ind�cios levantam razo�vel suspeita sobre a exist�ncia do fornecimento de informa��es privilegiadas a Cacciola, passadas por Lopes no ano de 1998. Um deles seria a viagem de Bragan�a a Bras�lia durante a crise cambial de 1998, paga pelo Marka, com liga��es telef�nicas a Novaes. Um outro seria o v�nculo que Lopes mantinha de fato com a Macrom�trica, empresa por ele fundada, da qual nunca se afastou efetivamente...�

 

�������� Curiosamente nem o inqu�rito policial nem a coleta de provas do processo se preocuparam em documentar que Bragan�a, naquela sua viagem a Bras�lia em 1998, supostamente paga pelo Marka, efetivamente encontrou-se com Francisco Lopes. No m�nimo deveria haver o registro de alguma liga��o telef�nica entre os dois para arranjar o encontro. E, evidentemente, mesmo se esse encontro tivesse de fato ocorrido � o que n�o aconteceu � n�o h� porque associ�-lo ao fornecimento de informa��es privilegiadas. No mundo moderno uma mera liga��o de celular seria suficiente para transmitir qualquer informa��o privilegiada que se desejasse, sem a necessidade de arcar com o elevado custo de uma viagem a Bras�lia em avi�o particular. Por que seria necess�ria uma custosa e trabalhosa viagem apenas para obter informa��o privilegiada?

 

�������� Igualmente absurda � a intriga relativa ao relacionamento de Lopes com a Macrom�trica. A partir do material apreendido na busca ocorrida na resid�ncia de Lopes o MP conclui que da: (fls. 331 MP)

� simples an�lise dessa documenta��o apreendida ... pode-se concluir que Francisco Lopes era o principal dirigente das empresas MACROM�TRICAS [sic], ou seja, decidia sobre sua composi��o e altera��es societ�rias; analisava extratos de um de seus diretores, LUIZ FERNANDO MAIA; deliberava sobre empr�stimos e outras opera��es financeiras realizadas entre seus s�cios, al�m de sem sombra de d�vidas, repassar seu entendimento acad�mico e as informa��es que detinha na condu��o da citada Diretoria do BANCO CENTRAL nos informativos e demais atividades desenvolvidas pela citada empresa.� [grifo no original, sic nosso]

�������� Essa conclus�o do MP � absolutamente infundada. Lopes em seu depoimento nos autos deixou clara e transparente a natureza de seu relacionamento com a Macrom�trica: (fls. 332)

...que reconhece que manteve com a MACROM�TRICA, no per�odo em que dela esteve afastado, o interesse de um acionista; que, em raz�o da ascend�ncia que tinha sobre os demais s�cios, era vez por outra consultado sobre estrat�gias gerais; que de forma alguma participava da ger�ncia das empresas...

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Na realidade nada do que foi arrecadado nas buscas na resid�ncia de Francisco Lopes ou na sede das empresas Macrom�trica contradiz o que foi por ele afirmado em ju�zo. O mesmo vale para todas as outras �evid�ncias� apontadas como ind�cios de relacionamento escuso ou reprov�vel. � claro que Lopes manteve, enquanto esteve no governo, um interesse na sa�de das empresas, para as quais pretendia retornar, mas isso de forma algum significava que se envolvia na ger�ncia delas.

 

Almo�os ocasionais com alguns dos s�cios da Macrom�trica quando estava no Rio nunca foram reuni�es de ger�ncia, apenas encontros sociais entre amigos. Se o MP acredita que essas reuni�es serviram para �repassar seu entendimento acad�mico e as informa��es que detinha na condu��o da citada Diretoria do BANCO CENTRAL nos informativos e demais atividades desenvolvidas pela citada empresa�, deveria ter anexado ao processo c�pias dos citados informativos demonstrando as informa��es repassadas. Na realidade a Macrom�trica n�o se beneficiou em nada da presen�a de Lopes no Banco Central, e a maior evid�ncia disso est� na evolu��o do faturamento das empresas, que ao longo do tempo mostrou tend�ncia declinante.

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Outras �evid�ncias� apontadas pelo MP para sugerir que Francisco Lopes manteve a ger�ncia das empresas enquanto estava no Banco Central s�o igualmente desprovidas de fundamento.

A saber:

�������� a) Francisco Lopes �assinava contrato locat�cio da empresa, na condi��o de fiador� (fls. 331 MP).

�������� Na realidade Francisco Lopes era fiador do contrato de loca��o desde 1987. Quando foi para o governo, os propriet�rios do im�vel pediram que continuasse como fiador, devido � rela��o de confian�a estabelecida ao longo de muitos anos. Francisco Lopes considerou que n�o seria justo pedir aos seus ex-s�cios, que estava abandonando naquele momento para servir ao governo, que pactuassem novo contrato de loca��o assumindo o �nus da posi��o de fiador. Numa posterior altera��o contratual realizada em 1997, os s�cios pediram a Lopes que continuasse como fiador, e este considerou que n�o havia por que recusar. Jamais poderia imaginar que isto viria a ser usado no futuro como �evid�ncia� de que permanecia na ger�ncia das empresas.

�������� b) Francisco Lopes �deliberava sobre empr�stimos e outras opera��es financeiras realizadas entre seus s�cios�. (fls. 331 MP)

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O MP baseia esta sua afirma��o absurda na c�pia manuscrita de duas folhas apreendidas quando da busca na resid�ncia de Francisco Lopes, com o t�tulo COMPROMISSO FABIO-CI�A. Este documento foi rascunhado por Francisco Lopes (como corretamente determinado em laudo pericial � fls. 333 MP) a pedido de sua companheira Araci Pugliese (Ci�a) em 21 de dezembro de 1998, e pretendia �colocar no papel� as condi��es atrav�s das quais seria prestado um aux�lio financeiro por Ci�a, que naquela �poca j� n�o era mais s�cia das empresas, ao ainda s�cio F�bio Miguel Lyrio. A origem do problema � que F�bio tinha mantido por v�rios meses padr�o de vida incompat�vel com seus rendimentos (inclusive por problema de doen�a em fam�lia) e havia contra�do d�vidas que tinha agora dificuldade de saldar junto a bancos e agiotas. A situa��o era grave, pois uma inadimpl�ncia de F�bio podia comprometer o cr�dito das empresas Macrom�trica junto aos bancos com que trabalhava, e at� mesmo levar ao fechamento de suas contas correntes. Natural, portanto, que F�bio pedisse aux�lio aos amigos Francisco Lopes e Ci�a e que estes se sentissem compelidos a ajudar.

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A solu��o encontrada para realizar o empr�stimo pedido por F�bio, sem ao mesmo tempo sancionar seus h�bitos perdul�rios, e ainda colocando alguma press�o �moral� sobre este para que passasse a viver com padr�o de vida compat�vel com seus rendimentos, foi a que est� esbo�ada no manuscrito. F�bio receberia um empr�stimo de R$ 16.000,00 de Ci�a para ser pago em 36 presta��es mensais de R$ 650,00, mas assumiria dois compromissos: primeiro, encerraria suas contas correntes em bancos, ficando assim impedido de usar qualquer limite de cr�dito; e, segundo, transferiria suas quotas da Macrom�trica Sistemas para Ci�a, com a garantia de que seriam devolvidas quando o empr�stimo fosse saldado ao final de 36 meses. A id�ia era que Ci�a repassaria a F�bio a retirada mensal de lucro resultante dessas quotas, mas somente ap�s fazer uma esp�cie de �desconto na fonte� da parcela de pagamento do empr�stimo, o que na pr�tica tornaria garantido o fiel cumprimento da obriga��o.

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Como se pode ver esse �bilhete�, solenemente intitulado �Compromisso F�bio-Ci�a�, foi apenas uma forma excessivamente complicada de formalizar uma opera��o de empr�stimo entre Ci�a e F�bio. Ali�s, como ficou claro neste processo, o ambiente de pessoas ligadas � Macrom�trica foi pr�digo em produzir bilhetes excessivamente complicados, para realizar objetivos que certamente poderiam ter sido alcan�ados de forma bem mais simples se tivesse havido um melhor assessoramento jur�dico. Infelizmente esses bilhetes se prestaram a interpreta��es distorcidas e equivocadas da imprensa, da CPI dos bancos, do MP e da senten�a.

 

c) Francisco Lopes �analisava extratos de um de seus diretores, LUIZ FERNANDO MAIA� (fls. 331 MP)

�������� Segundo o MP, (fls. 334 MP)

�A an�lise das anota��es manuscritas do extrato de conta corrente do Banco Ita�, em nome de Luiz Fernando de Souza Maia e/ou, demonstra que essa conta era utilizada para movimentar recursos e retiradas de alguns s�cios da MACROM�TRICA, principalmente ARACI PUGLIESE,...e Bruno Pugliese, seu filho, cobrindo inclusive, despesas da resid�ncia destes.

 

O MP, como no caso de todas as outras �evid�ncias� discutidas anteriormente, tentou encontrar �chifre em cabe�a de burro�, isto �, ind�cios de il�cito ou conspira��o em procedimentos corriqueiros do dia a dia de pessoas amigas. Na realidade o esclarecimento apresentado no depoimento em ju�zo do pr�prio Luiz Fernando Maia n�o deixou qualquer margem para d�vida: (fls. 334 MP)

 

�...que era comum, na �poca de FRANCISCO LOPES na MACROM�TRICA, que algumas despesas de ordem familiar fossem remetidas para cobran�a na empresa; que este h�bito foi mantido mesmo ap�s a aus�ncia de ARACI, j� que o BRUNO permanecia na empresa; que o procedimento adotado foi o pagamento, feito pelo depoente, que adiantava o dinheiro e depois era ressarcido por BRUNO;

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Ou seja, Francisco Lopes passava a semana em Bras�lia ocupado com o esfor�o de estabilizar a economia nacional. Sua companheira Ci�a ficava no Rio de Janeiro e se encarregava de realizar os pagamentos de contas da fam�lia.O MP teria ajudado muito a esclarecer a natureza do fato em discuss�o se tivesse se dado ao trabalho de listar a natureza daqueles pagamentos utilizando as anota��es inseridas nos extratos banc�rios.

��������

O fato � que, para n�o ter que enfrentar filas em bancos, Ci�a enviava seus carn�s de pagamento para seu filho Bruno na Macrom�trica, que providenciava os pagamentos usando o cont�nuo da empresa e recursos adiantados sob a forma de cheques por Luiz Fernando Maia. Ao final do m�s era feito um acerto de contas, com base no extrato banc�rio da conta de Luiz Fernando, onde estavam registrados todos os pagamentos. As anota��es nos extratos podem ter sido realizadas por Francisco Lopes, por Ci�a ou pela secret�ria da Macrom�trica e provavelmente foram de fato realizadas pelos tr�s: a refer�ncia ao laudo pericial na pe�a acusat�ria n�o esclarece se haviam anota��es apenas de Lopes ou se tamb�m de outras pessoas. O certo � que tinham apenas a finalidade de organizar o acerto de contas. Isto explica, tamb�m, por que alguns desses extratos foram encontrados pela Pol�cia Federal na resid�ncia de Francisco Lopes.

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5) Mem�ria das Atua��es na BM&F

Entre os documentos apreendidos na resid�ncia de Francisco Lopes estava um manuscrito intitulado �Mem�ria das Atua��es na BMF em Janeiro de 1999�, que para o MP foi a base para uma vers�o oficial �montada� dos acontecimentos, uma constru��o a posteriori �em que surge como �libi dessa opera��o a alegada e n�o comprovada �crise de confian�a� na pol�tica cambial brasileira� (fls. 339 MP).

�������� Sobre isso afirma a pe�a acusat�ria: (fls. 338 MP)

�Destaque-se para o teor do manuscrito intitulado como MEM�RIA DAS ATUA��ES NA BMF EM JANEIRO DE 1999, no qual FRANCISCO LOPES elabora uma reda��o, ajustando termos e express�es para os esclarecimentos que seriam, logo em seguida, prestados pelos dirigentes do BANCO CENTRAL � CPI, a pr�pria Sindic�ncia do BACEN e � Pol�cia Federal.

Segundo apurado nas investiga��es, fato confirmado por ALEXANDRE PUNDEK em seus esclarecimentos prestados na CPI dos Bancos, FRANCISCO LOPES, DEM�STHENES, MAUCH, o pr�prio ALEXANDRE PUNDEK e outros se reuniram por volta do dia 12 de abril de 1999 na sede do BANCO CENTRAL em S�o Paulo, para, segundo alegado, �rememorarem� os acontecimentos que envolveram as questionadas opera��es.

Na realidade, tal reuni�o, coordenada por FRANCISCO LOPES, como se pode apreender de toda a documenta��o acima referida, teve o �nico objetivo de atribuir uma vers�o �oficial� e uniforme aos referidos fatos....

����������������������� (...)

(p�g. 339 MP) O pr�prio FRANCISCO LOPES ... � o respons�vel pela reda��o do documento que o BANCO CENTRAL apresentou � sociedade como a vers�o oficial dos acontecimentos, ocasi�o em que surge como �libi dessa opera��o a alegada e n�o comprovada �crise de confian�a� na pol�tica cambial brasileira.

Tanto � que o documento de fls. 05/12, 97 v/98, 100 e todo o conjunto de esclarecimentos apresentados pelo BANCO CENTRAL DO BRASIL, que constituem o Apenso 09 do Inqu�rito Policial, reproduzem textualmente os manuscritos apreendidos na resid�ncia de FRANCISCO LOPES, juntados no Apenso 25 e nos volumes principais do inqu�rito policial.

��������

Na realidade a hist�ria desse documento foi a seguinte. No in�cio de abril de 1999 j� estava convocada a CPI do Sistema Financeiro, que veio a ser formalmente instalada no dia 14 daquele m�s. J� se sabia que para o primeiro depoimento, em 15 de abril, seriam convocados o presidente do Banco Central Arm�nio Fraga e o diretor de fiscaliza��o Luiz Carlos Alvarez. Ora, isto criava uma situa��o constrangedora, pois nenhum desses funcion�rios ocupava seus cargos � �poca dos acontecimentos e iriam enfrentar um duro questionamento p�blico numa CPI com forte motiva��o pol�tica e grande cobertura da imprensa. O Sr. Luiz Carlos Alvarez havia sido o chefe do Departamento de Fiscaliza��o, trabalhando diretamente com o diretor Mauch antes de substitu�-lo na diretoria, mas em janeiro de 1999 encontrava-se em f�rias. Foi por isso que sua consultora, Sra Tereza Grossi, assumiu papel t�o destacado na execu��o das opera��es com os bancos Marka e FonteCindam.

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Em abril de 1999, tanto Francisco Lopes como Dem�sthenes como Mauch haviam deixado o Banco Central e praticamente n�o havia mais mem�ria dentro da autarquia sobre as motiva��es e considera��es que levaram a diretoria a decidir realizar as opera��es; apenas pequenos textos inclu�dos nos votos BCB 006/99 de 14 de janeiro e BCB 015/99 de 20 de janeiro. H� que se reconhecer que seria bastante estranho que o presidente do Banco Central e seu diretor de fiscaliza��o comparecessem � CPI e afirmassem que n�o poderiam comentar sobre as opera��es em discuss�o por que ainda n�o ocupavam seus cargos na ocasi�o em que foram feitas. Parece bastante natural, portanto, que sentissem a necessidade de recuperar a mem�ria sobre as motiva��es das decis�es da diretoria anterior. O Sr Alexandre Pundek foi ent�o designado para entrar em contato com os ex-diretores e organizar uma reuni�o para que essa informa��o pudesse ser levantada.

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Quando foi informado sobre a reuni�o, Francisco Lopes decidiu colocar no papel, de forma organizada, sua mem�ria sobre os acontecimentos. O texto tinha v�rios espa�os em branco, relativos a informa��es e detalhes que Francisco Lopes n�o conseguia recordar com exatid�o. O documento foi levado por ele para a reuni�o que ocorreu no dia 12 de janeiro na sede do Banco Central em S�o Paulo. A reuni�o foi presidida pelo j� ent�o Diretor de Fiscaliza��o Luiz Carlos Alvarez, e teve tamb�m uma curta participa��o de Arm�nio Fraga. O texto de Francisco Lopes foi considerado adequado pelos ex-diretores Dem�sthenes e Mauch, e serviu ent�o de base para um documento final elaborado pelo diretor Paolo Zaghen. Seu objetivo era apenas o de informar � nova diretoria e ao novo presidente do BACEN sobre as reais motiva��es e os fatos que levaram � decis�o da diretoria anterior, ent�o sob contesta��o p�blica pela imprensa e pela CPI.

 

6) Outras �evid�ncias� de relacionamento Lopes-Cacciola

Na sua tentativa desesperada de buscar alguma liga��o entre Francisco Lopes e Cacciola que pudesse embasar sua tese sobre corrup��o e peculato, o MP dedicou-se � tediosa tarefa de �reinterpretar� m�nimos detalhes como evid�ncias conclusivas, grande parte dos quais foi acolhida pela senten�a como �material probat�rio�.

 

Por exemplo, duas agendas e um e-mail de terceira pessoa foram utilizados em um desses exerc�cios de elabora��o mental pelo MP: (p�g 334 MP)

�Al�m das agendas dos anos de 1997 e 1999 com o logotipo do Banco �MARKA�apreendidas na resid�ncia de FRANCISCO LOPES, relacionando-o a essa institui��o financeira cujo propriet�rio... FRANCISCO LOPES alega nunca t�-lo encontrado, outra evid�ncia a relacion�-lo tanto � administra��o da empresa MACROM�TRICA, quanto �s empresas vinculadas � SALVATORE CACCIOLA consubstancia-se em um e-mailencaminhado por um dos s�cios da MACROM�TRICA � empresa ZAP INFORM�TICA, que tinha como um dos seus propriet�rios a pessoa de FABR�CIO CACCIOLA, filho de SALVATORE CACCIOLA.�

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A realidade � que diretores do BACEN costumam receber um grande n�mero de presentes da parte de bancos e institui��es financeiras a cada fim de ano. Os bancos pequenos costumam enviar apenas agendas. Normalmente o n�mero de agendas recebido � t�o grande que os diretores as distribuem entre os funcion�rios com que trabalham, ficando apenas com a que gostem mais. As agendas de bolso do Banco Marka, com suas capas aveludadas, sempre foram consideradas as mais bonitas por Francisco Lopes e, por isso, foram guardadas (ainda que praticamente n�o tenham sido usadas, pois Lopes terminava usando como agenda as folhas de computador permanentemente atualizadas por suas secret�rias no BACEN). � simplesmente rid�culo considerar isto como evid�ncia de algum relacionamento seu com Salvatore Cacciola.

 

Igualmente rid�cula � a import�ncia dada ao e-mail de 8 de outubro de 1998, encaminhado por F�bio Lyrio, s�cio da Macrom�trica, para a empresa ZAP. A Macrom�trica foi procurada pela ZAP, uma empresa que prestava um servi�o de informa��o em tempo real para institui��es financeiras, com uma proposta de associa��o, que daria aos seus clientes acesso direto ao banco de dados da Macrom�trica. O representante da ZAP tratou diretamente com F�bio Lyrio. Nem Fabr�cio Cacciola, nem Francisco Lopes participaram de qualquer contato ou negocia��o, como ficou claro nos depoimentos de ambos junto � Pol�cia Federal e em ju�zo. Naquela �poca F�bio Lyrio chegou a perguntar informalmente a Lopes se achava que uma associa��o com a Zap seria ben�fica para a Macrom�trica. Nada mais natural que uma consulta informal e sem compromisso desse tipo �ao nosso ilustre fundador�, como escreveu F�bio no e-mail. Note-se que Lopes, al�m de ter criado a empresa, sempre teve grande ascend�ncia intelectual sobre seus antigos s�cios. Al�m disso, ao final de 1998 havia forte expectativa da parte deles de que retornaria logo � empresa, saindo do governo ao final do ano.

 

Na realidade Fabio Lyrio ficou t�o empolgado com a id�ia da associa��o que de fato pretendeu trazer Lopes para uma reuni�o na Macrom�trica em que a ZAP apresentaria seus produtos e clientes. Lopes, que ainda era diretor do Banco Central, recusou-se a participar, mesmo que informalmente, por considerar impr�prio o envolvimento de funcion�rio p�blico em reuni�o de trabalho de empresa privada. Mas n�o se furtou a dar informalmente a F�bio sua opini�o de que uma associa��o desse tipo provavelmente n�o seria vantajosa para a Macrom�trica, j� que levaria a uma competi��o autof�gica, nociva ao desenvolvimento de seu mercado.

 

N�o ficou estabelecido neste processo se a reuni�o mencionada no e-mail de Fabio chegou a ocorrer. Ali�s, � surpreendente que, tendo em vista a import�ncia atribu�da pelo MP a este e-mail, Fabio Lyrio nunca tenha sido ouvido, seja no inqu�rito policial seja em ju�zo.

 

O que � certo � que Lopes, enquanto estava no Banco Central, nunca participou de qualquer reuni�o de trabalho na Macrom�trica, com ou sem representante da ZAP, ou de qualquer reuni�o para tratar de poss�vel associa��o da Macrom�trica com a ZAP. � certo, tamb�m, que essa associa��o nunca veio a acontecer. S� mesmo numa constru��o delirante, como a elaborada pelo MP na sua busca desesperada por qualquer ind�cio de v�nculo ou comportamento escuso de Francisco Lopes, pode um detalhe t�o insignificante como esse e-mail ter sido elevado ao status de �evid�ncia a relacion�-lo tanto � administra��o da empresa MACROM�TRICA, quanto �s empresas vinculadas � SALVATORE CACCIOLA�.

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Igualmente absurda � a interpreta��o maliciosa dada pelo MP a um bilhete (mais um!) enviado por fax pela jornalista Daniela Kresch da revista Isto � Dinheiro a Bruno Pugliese e relatando uma reuni�o de Cacciola com cotistas do Marka.

Segundo a senten�a:

�...o e-mail da jornalista Daniela Kresch a Bruno Puglieses, enteado de Lopes, demonstra a preocupa��o com que este �ltimo acompanhava o desenrolar dos fatos, sobretudo a conduta de um dos seus protagonistas, Salvatore Cacciola�. (fls. 400 ST)

 

A reuni�o relatada ocorreu em 23 de mar�o, mas � evidente que o fax de Daniela Kresch foi enviado em data posterior �s declara��es de Francisco Lopes aos jornais O Globo e Estado de S�o Paulo, declara��es estas que s�o citadas no seu textoe s� foram publicadas em 6 de abril de 1999. A manchete de primeira p�gina do Globo naquele dia foi �Chico Lopes: BM&F pediu para BC socorrer o Banco Marka�. Na p�gina 3 do mesmo jornal a manchete foi �ACM esvazia manobras contra CPIs�, com o subt�tulo �Senador diz que indicar� membros de comiss�es se partidos n�o escolherem representantes�. De fato nessa mat�ria o ent�o presidente do Senado avisa que tomaria a iniciativa de indicar os membros para as CPIs do Judici�rio e dos Bancos se os partidos pol�ticos n�o o fizessem. (Bem diferente do que ocorreu recentemente no caso do chamado esc�ndalo Waldomiro!).

 

�������� Ou seja, o fax foi enviado num momento em que a CPI dos Bancos j� era uma realidade. Nada mais natural, portanto, que Lopes tivesse interesse em conhecer o teor do que Cacciola vinha dizendo aos revoltados cotistas dos finados fundos Marka-Nikko, j� que isso poderia repercutir nos debates da CPI. A jornalista Daniela Kresch apenas tentou usar esse interesse natural para conseguir atrav�s dos intermedi�rios Bruno, Estev�o e Ci�a � com quem j� tivera contatos anteriores, muito antes dessa crise � que Lopes lhe concedesse uma entrevista exclusiva de perguntas e respostas. Isto fica claro quando o texto faz men��o �s �perguntas que gostaria de fazer para o Chico�. (Veja-se como at� mesmo jornalistas quando pretendiam falsa intimidade com Francisco Lopes usavam o pr�-nome �Chico�, bem mais do que Cacciola que em seu famoso bilhete aventurou-se apenas a usar �Francisco�).

Na realidade essa entrevista a Daniela Kresch nunca foi concedida, pois Lopes acreditava que tinha dito tudo que tinha a dizer sobre o assunto nas suas declara��es publicadas no dia 6 de abril. A jornalista tinha um entendimento diferente, avisando que �acho que a hist�ria n�o est� acabada apenas com as declara��es dele no Globo e no Estad�o�. A posterior avalanche de mat�rias na imprensa, o in�cio do inqu�rito policial em Bras�lia, simultaneamente ao procedimento investigat�rio iniciado pelo MP no Rio de Janeiro, a opera��o de busca e apreens�o na resid�ncia de Lopes e a pr�pria CPI demonstraram que a jornalista estava com raz�o.