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Perguntas e Respostas sobre as Operações Marka-FonteCindam

Francisco Lopes com Aluisio Barros


1. Havia amparo legal para o Banco Central vender dólares futuros aos bancos Marka e FonteCindam na crise cambial de janeiro de 1999?

Para a diretoria colegiada do Banco Central nunca houve dívida alguma quanto à legalidade das operações, o que foi também garantido pelos procuradores do BC que assessoravam a diretoria.

2. Mas por que a opinião pública ficou com a impressão de que as operações não eram necessárias?

Quando se observa o que efetivamente ocorreu na economia brasileira após a flutuação cambial, pode-se ficar com uma impressão equivocada sobre a motivação e o estado de espírito da diretoria do BC ao decidir-se pelas operações. A flutuação brasileira foi muito benigna, com pequeno impacto sobre a inflação e a atividade produtiva. Os custos sociais foram mínimos, ao contrário do que ocorreu em outras economias emergentes (como México, Tailândia, Coréia ou Indonésia), que sofreram recessão brutal e quebra generalizada do sistema bancário. No caso do México, houve forte impacto inflacionário. Tipicamente, flutuações cambiais em economias emergentes sempre foram acompanhadas de grave crise bancária. Na literatura econômica são até conhecidas como "crises-gêmeas". No nosso caso, entretanto, não houve quebra de bancos ou de empresas em consequência da rápida elevação da cotação do dólar.

Mas esse resultado não podia ser garantido no dia 14 de janeiro. Naquele momento o BC tinha toda a sua energia concentrada na defesa do novo regime de bandas cambiais, que fora introduzido no dia anterior, e para isso era crucial preservar ao máximo as suas reservas em dólares. Uma inadimplência importante na Bolsa de Mercadorias e Futuro (BM&F) poderia ter consequências imprevisíveis e precisava ser evitada.

3. O sr. Edemir Pinto, da BM&F, quando depôs na CPI dos Bancos, afirmou que, "se eventualmente não houvesse os procedimentos adotados pelo BACEN, teríamos mecanismos de liquidação das posições". O quê ele quis dizer?

Como não foi perguntado, ele omitiu a explicação de que o primeiro desses mecanismos seria a liquidação compulsória dos contratos. Essa foi a informação que a diretoria do BC recebeu da BM&F no dia 14 de janeiro. Somente após a liquidação forçaada dos contratos à que as tão enfatizadas garantias seriam utilizadas para cobrir prejuízos que porventura ainda existissem, mas isso não evitaria uma crise de confiança na BM&F. Haveria impacto desastroso sobre o estado das expectativas na economia, induzindo uma fuga defensiva de capitais para o exterior e seguramente inviabilizando a defesa do regime de bandas cambiais. A flutuação cambial que se seguiria seriam amplificada pela crise na BM&F, podendo resultar numa crise sistêmica importante, com efeitos em cadeia no sistema bancário. O Banco Central não podia correr esse tipo de risco num momento tão delicado da nossa história econômica.

4. Como é que funciona o mecanismo de liquidação compulsória de contratos na BM&F?

O mercado de dólar futuro negocia uma espécie de contrato de seguro contra altas futuras da cotação do dólar no mercado à vista. O comprador de dólar futuro é uma instituição financeira ou empresa que tem dívidas em dólar e não quer correr o risco de ter prejuízo se sua cotação subir. Por outro lado, o vendedor de dólar futuro é um exportador, que espera receber pagamentos em dólar, ou o Banco Central, que tem reservas em dólar. Em menor escala participam especuladores tanto na ponta comprada como na ponta vendida. Por medida de proteção, a BM&F faz o ajuste diário dos contratos. Se a cotação do dólar sobe, os vendidos têm que depositar dinheiro e os compradores recebem um crédito em suas contas. Se um vendido não tiver dinheiro suficiente para depositar, ocorre a inadimplência, e, como vimos, nesse caso a BM&F faz a liquidação forçada das posições. Suas garantias servem para cobrir o dinheiro que não foi depositado pelo vendedor inadimplente, mas a BM&F não assume, ela mesma, a posição vendida a partir daquele ponto, o que manteria viva a posição comprada correspondente. Ela simplesmente informa a esse comprador de dólar futuro que foi compulsoriamente retirado do mercado.

5. É como se um contrato de seguro fosse subitamente declarado inválido?

Exatamente. Veja, então, como surgiria a crise de confiança. Se usei a BM&F para comprar um seguro contra a alta do dólar e fico sabendo que, no momento em que o regime cambial começa a mudar, uma quantidade significativa de contratos semelhantes foi anulada, fica difícil manter a confiança na instituição enquanto garantidora do meu seguro. Serão esses os únicos casos de inadimplência ou ainda virão outros? Meus contratos também serão anulados?

A consequência da perda de confiança seria uma busca desenfreada de formas alternativas de proteção contra a alta do dólar, não apenas por aqueles comprados que tiveram suas posições liquidadas, mas por todos os outros que passassem a desconfiar da efetividade da proteção dada pelos seus contratos de dólar futuro.

6. Por que os bancos estrangeiros ganharam muito?

Os bancos estrangeiros raramente operam como especuladores. Suas posições compradas na BM&F eram grandes ( e por isso mesmo eles foram os maiores ganhadores) mas deviam estar servindo principalmente para proteção de dúvidas em dólar ou como contrapartida de posições de venda de futuros em Chicago ou Nova York. Em caso de perda de confiança, esses bancos receberiam ordens de suas matrizes para buscar proteção comprando dólares físicos, e não contratos de dólares na BM&F. Na hora da crise só haveria uma forma de obter proteção: comprar dólares à vista no Banco Central. A autoridade monetária, mantendo o compromisso de defender o regime de bandas, venderia todos os dólares demandados, mas uma perda acentuada de reservas poderia inviabilizar a defesa do regime cambial, forçando à flutuação que se queria evitar.

7. flutuação cambial com crise na BM&F seria uma combinação explosiva, não ?

Sem dívida. Uma flutuação cambial com crise de confiança na BM&F teria consequências imprevisíveis. Como a busca desenfreada por formas alternativas de proteção não seria atendida pelo Banco Central, que se teria afastado do mercado, a cotação do dólar subiria muito. Haveria quebras de empresas e bancos, o que pressionaria ainda mais a cotação do dólar, criando um círculo vicioso de desvalorização e crise financeira.

8. Qual foi o montante do prejuízo do Banco Central com as operações Marka-FonteCindam?

A questão do prejuízo do Banco Central com essas operações é mais complexa do que parece à primeira vista e precisa ser examinada com cuidado. não há dívida que, enquanto perdurou o regime de bandas cambiais, as operações deram lucro ao BC. Até o dia 15 de janeiro haviam produzido um lucro acumulado de R$ 37 milhões. A partir do dia 18 de janeiro, com a flutuação cambial, passaram a produzir prejuízos, mas isto também é verdade para toda a posição de contratos vendidos pelo BC na BM&F antes do dia 14, e não apenas para a posição que resultou das operações realizadas com os bancos Marka e FonteCindam no dia 14. E o Banco Central passou a auferir lucros em reais sobre seu estoque de reservas internacionais.

9. Quer dizer que o Banco Central também auferiu lucros com a flutuação?

é claro. A alta do dólar produz ganho patrimonial para o BC porque o valor em reais das reservas internacionais, isto é, dos dólares em caixa, aumenta. Com base nos dados divulgados no balancete consolidado do BC, pode-se constatar que em janeiro houve um ganho aproximado de R$ 25 bilhões com o impacto da flutuação sobre as reservas, contra uma perda total da ordem de R$ 7 bilhões na BM&F.

10. Mas afinal as operações Marka-FonteCindam deram prejuízo ou não?

Para avaliar corretamente essa questão é preciso notar que o BC nunca vendeu dólares futuros a descoberto, ou seja, sem dispor de dólares suficientes em caixa para dar cobertura à operação. Quando uma instituição vende dólares futuros a descoberto, como fizeram os bancos Marka e FonteCindam, o prejuízo que pode resultar de uma alta do dólar é ilimitado. Mas no caso de uma venda de futuros coberta, qualquer prejuízo que resulte de uma alta do dólar será exatamente compensado pelo aumento do valor em reais dos dólares mantidos em caixa.

11. Quer dizer então que quem fala em prejuízo neste caso está enxergando apenas um lado da moeda, um lado da transação?

Exatamente. Os mercados futuros foram inventados exatamente para oferecer esse tipo de proteção em operações cobertas. O fazendeiro que está engordando um boi para vender depois de algum tempo, e não quer correr o risco de oscilações futuras no preço de mercado, faz um contrato de venda futura de boi gordo na BM&F. Como a operação de venda futura à coberta, ele fica imune a qualquer oscilação de preços. Um especulador que faz uma venda futura a descoberto de boi gordo na BM&F terá prejuízo se houver uma alta do preço. A BM&F não exigirá a entrega física do boi, mas exigirá o depósito em dinheiro da diferença de preço. O fazendeiro que faz uma venda futura coberta também terá prejuízo na BM&F, tendo de depositar a diferença de preço, mas, ao vender seu boi gordo no mercado, terá um ganho adicional de preço que compensa exatamente o prejuízo.

12. Como exatamente esse raciocínio se aplica as operações Marka-FonteCindam?

Vamos imaginar que o Banco Central tivesse em caixa apenas a quantidade de dólares correspondente aos contratos de dólares futuros que vendeu para os dois bancos. Vamos admitir que com a alta do dólar a operação com futuros produziu uma perda de R$ 1,5 bilhão. Mas a alta do dólar também aumentou o valor equivalente em reais dos dólares disponíveis em caixa em exatamente R$ 1,5 bilhão. Ou seja, como a venda de dólares futuros estava coberta por igual quantidade de dólares disponíveis em caixa, o prejuízo no futuro foi, por definição, exatamente compensado pelo aumento do valor em reais dos dólares em caixa. Portanto não houve lucro nem prejuízo.

13. Mas se as operações não tivessem sido realizadas, o BC não continuaria tendo o ganho sobre os dólares em caixa sem sofrer a perda nos futuros?

Isto só seria verdade se o BC pudesse preservar a mesma quantidade de dólares em caixa, apesar de não realizar as operações com o Marka e FonteCindam.Como vimos, uma inadimplência na BM&F levaria à liquidação compulsória de posições e a uma crise de confiança nos mercados de dólares futuros. A consequência seria uma forte procura pelos dólares das reservas do BC, não apenas por aqueles compradores que tiveram suas posições liquidadas mas por todos os outros que passassem a desconfiar da efetividade da proteção obtida naquele mercado.

14. Mas não é verdade que o BC deixou de vender dólares à vista no dia 15?

De fato, como o BC deixou de vender dólares à vista no dia 15, as reservas teriam sido preservadas mesmo que as operações não tivessem sido realizadas. Mas, quando as operações foram decididas no dia 14, a pressuposição era que o BC continuaria vendendo dólares sem restrição para defender o regime de bandas cambiais. Neste caso, ao não realizar as operações, muito provavelmente terminaria vendendo à vista uma quantidade maior de dólares do que teria deixado de vender no futuro. Deixaria de perder R$ 1,5 bilhão na BM&F, mas também deixaria de ganhar um valor superior a R$ 1,5 bilhão por conta dos dólares vendidos de seu caixa. Ou seja, as operações foram realizadas com a expectativa de um ganho patrimonial para o BC em comparação com a alternativa de não realizá-las. Seu objetivo era economizar dinheiro público.

15. Como então avaliar a decisão do BC de vender dólares futuros aos bancos Marka e FonteCindam no dia 14 de janeiro?

O BC escolheu a melhor de duas alternativas. A primeira era não realizar as operações de venda de dólares futuros para os bancos, ter uma crise de confiança na BMF, perder um montante superior de reservas vendendo dólares à vista, e ainda correr o risco de uma flutuação cambial explosiva com quebradeira de empresas e bancos. A outra alternativa era fazer uma venda coberta de uma quantidade de dólares futuros menor do que a que seria vendida à vista na primeira alternativa. Neste caso as reservas seriam preservadas, o risco de flutuação diminuído e o Banco Central estaria garantido de não ter perda patrimonial pois, qualquer perda nos futuros com a alta do dólar seria compensada com ganhos em reais das reservas.

não há dívida, portanto, que a venda de dólares futuros pelo BC aos bancos Marka e FonteCindam foi uma decisão correta, que zelou pelos interesses do Banco Central e do País.

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